Gripe, resfriado ou virose? Entenda as diferenças e quando testar
Entender qual vírus está em circulação pode fazer toda a diferença — para a saúde individual e para o controle coletivo da situação

Na temporada dos espirros, tosses e termômetros em alerta, a cena parece se repetir: alguém começa com dor de garganta, febre e mal-estar e, sem pestanejar, já rotula o incômodo como uma simples gripe ou uma virose qualquer. Mas, em tempos de circulação simultânea de diversos vírus respiratórios – de rinovírus a influenza, de covid-19 a vírus sincicial respiratório (VSR) – essa abordagem despreocupada pode custar caro, especialmente para os mais vulneráveis.
Apesar das semelhanças clínicas entre os diversos agentes virais, as diferenças existem — e são relevantes. Um levantamento recente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) mostra um cenário preocupante. Enquanto os casos de covid-19 seguem em queda (com taxas de positividade entre 1,4% e 5,4% nas semanas epidemiológicas de abril e início de maio), os testes positivos para influenza A H1N1 disparam, com taxas de cerca de 20%. Ao mesmo tempo, o vírus sincicial respiratório já causa aumento significativo de internações, sobretudo entre crianças menores de 5 anos — e especialmente abaixo dos 2 anos de idade.
O desafio? Esses vírus compartilham sintomas muito parecidos, tornando impossível distingui-los com precisão apenas com base no quadro clínico. Os resfriados comuns, frequentemente causados por rinovírus, costumam provocar sintomas mais leves e restritos às vias aéreas superiores: nariz escorrendo, espirros, desconforto na garganta. Já a gripe — geralmente provocada pelo vírus influenza — tende a ser mais agressiva: febre alta, dor no corpo, fadiga, dor de cabeça e, em muitos casos, necessidade de repouso por alguns dias.
Mas o corpo humano nem sempre segue o manual. Um mesmo vírus pode causar sintomas leves em uma pessoa e quadro grave em outra, dependendo da idade, das comorbidades e da imunidade. Assim, mesmo uma “gripe forte” pode ser provocada por um vírus considerado leve, como o rinovírus, e casos aparentemente leves podem esconder infecções por vírus de maior risco, como a própria influenza ou o SARS-CoV-2.
E é exatamente por isso que testar é tão importante. Após a pandemia, criou-se uma certa fadiga coletiva em relação à testagem. A tendência agora é “esperar passar”, sem buscar diagnóstico. Mas isso pode ser um erro grave. Testar não é só uma formalidade. É uma ferramenta de proteção. Hoje, já existem medicamentos antivirais específicos para alguns vírus — como o oseltamivir para influenza e a combinação nirmatrelvir e ritonavir (Paxlovid) para covid-19 — que são mais eficazes quando iniciados precocemente. Adiar o diagnóstico pode significar perder a janela ideal para tratar e evitar complicações, como pneumonias ou internações, especialmente em idosos, crianças pequenas e imunossuprimidos.
Além disso, confirmar que se trata de uma infecção viral ajuda a evitar o uso desnecessário de antibióticos, prática que ainda persiste por pressão dos pacientes e insegurança dos médicos diante de sintomas inespecíficos. Isso contribui para um dos maiores problemas da saúde pública global: a resistência bacteriana. A boa notícia é que hoje o Brasil conta com uma gama muito maior de exames para diagnóstico de vírus respiratórios. Os testes rápidos — como os de antígeno para covid-19 e influenza — ganharam popularidade durante a pandemia. Embora não tenham a mesma sensibilidade de exames laboratoriais, já são um bom indicativo e servem como alerta para buscar confirmação.
Nos laboratórios, os testes moleculares, como o PCR, identificam o material genético do vírus com alta precisão. Mais recentemente, os chamados painéis respiratórios multiplex permitem detectar simultaneamente diversos vírus (e até algumas bactérias), a partir de uma única amostra — com opções que vão desde os quatro principais vírus respiratórios até painéis com mais de 20 agentes.
Eles são especialmente indicados para pacientes com maior risco de gravidade. Outro ponto de atenção é a vacinação anual contra influenza, que segue sendo a principal medida preventiva contra casos graves e óbitos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). A cada ano, a vacina é atualizada com base nas cepas mais prevalentes em cada um dos hemisférios. Ignorar o calendário vacinal é abrir a porta para variantes virais já conhecidas e que continuam circulando.
No caso da covid-19, a vacinação de reforço também é essencial. Mesmo com queda de casos, a doença continua a fazer vítimas — especialmente entre os não vacinados ou pessoas com esquema vacinal desatualizado. Dados recentes indicam que a mortalidade por covid-19 segue maior entre idosos, imunossuprimidos e pessoas que vivem com comorbidades, mesmo com cobertura vacinal ampla. Em tempos de alta circulação viral, é preciso retomar a consciência coletiva.
Colocar uma criança gripada no colo do avô acamado, visitar um idoso com sintomas respiratórios ou insistir em ir ao trabalho mesmo doente são atitudes que podem parecer corriqueiras, mas carregam riscos reais. Gripe e VSR podem ser fatais em populações vulneráveis, e mesmo uma “simples virose” pode ter consequências sérias.
Além disso, testar é também um ato de responsabilidade coletiva: só com o mapeamento dos vírus circulantes — feito com base nos exames realizados — é possível traçar estratégias de saúde pública, orientar o sistema hospitalar e prever surtos. Essa cultura de testagem, que tanto avançou durante a pandemia, não pode agora ser abandonada.
A temporada de vírus respiratórios não é motivo para pânico, mas sim para ação consciente. Testar é cuidar de si e dos outros. Vacinar é proteger toda a comunidade. E entender que nem toda “virose” é igual pode ser a diferença entre um simples repouso e uma internação evitável.
*Carolina Lázari é médica infectologista e patologista clínica, membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML)