Genômica e medicina personalizada: os avanços no tratamento do câncer
Novas ferramentas diagnósticas tem possibilitado compreender as individualidades da doença de cada pessoa

A relação entre genômica e oncologia é relativamente recente, mas tem revolucionado a forma como compreendemos e tratamos o câncer. Décadas atrás, o tratamento oncológico era mais generalista, com métodos ainda muito utilizados hoje, como a quimioterapia e a radioterapia, mas sem considerar as particularidades genéticas de cada indivíduo e tumor. Era como usar uma ferramenta única para problemas complexos — o equivalente, numa guerra, a empregar um tiro de canhão.
Com o avanço do sequenciamento genético, isso vem mudando. Descobriu-se que o câncer é, essencialmente, uma doença do DNA. Nos anos 2000, o Projeto Genoma Humano, conduzido por um consórcio público internacional, liderado pelo National Human Genome Research Institute, subordinado ao National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos, abriu novas portas para as descobertas sobre a doença, permitindo a identificação de mutações específicas associadas ao câncer. Desde então, a genômica tem sido central na busca por tratamentos mais eficazes e personalizados.
Um exemplo prático: se antes a quimioterapia tratava o tumor de forma indiscriminada, afetando tanto células cancerosas quanto normais, hoje, a terapia-alvo proporciona um tratamento mais focado, desligando os “drivers” dos tumores. Assim, mutações em genes como EGFR, KRAS e BRAF indicam tratamentos específicos, enquanto fusões genéticas (um tipo de mutação) em genes como ALK e ROS1 podem abrir caminho para terapias inovadoras.
Do tratamento generalista à medicina de precisão
Novas tecnologias, como o sequenciamento de nova geração, surgiram globalmente nos anos 2000, mas sua implementação efetiva no Brasil ganhou força apenas na segunda década do século XXI, marcando um novo capítulo na medicina genômica do país, ao permitir o rápido mapeamento do perfil genético dos tumores. Esse avanço possibilitou o desenvolvimento de terapias-alvo, que atuam diretamente sobre as alterações genéticas responsáveis pelo crescimento do câncer, além de impulsionar a imunoterapia, que utiliza o sistema imunológico do próprio paciente para combater a doença. Reconhecida com o Prêmio Nobel em 2018, ela se beneficia dos avanços da biologia molecular, oferecendo novas formas de tratar o câncer ao estimular respostas imunes direcionadas às células tumorais.
Inovações como o Comprehensive Genomic Profiling (CGP) e a Biópsia Líquida, também já disponíveis no Brasil, reforçam a oncologia de precisão e destacam o papel da tecnologia na melhoria dos cuidados oncológicos. O CGP é uma tecnologia avançada que permite analisar o perfil genômico completo de tumores sólidos. Além disso, o CGP calcula a carga mutacional tumoral, uma medida importante para a indicação da imunoterapia. Ele também contribui na predição do prognóstico e no monitoramento da resposta ao tratamento, superando os painéis genéticos tradicionais que analisam genes isolados.
Já a Biópsia Líquida é uma abordagem inovadora e minimamente invasiva que visa analisar o DNA tumoral circulante no sangue. Ela oferece uma alternativa à biópsia de tecido, sendo especialmente útil quando o tumor é de difícil acesso ou quando a realização de biópsias repetidas não é viável. A tecnologia é fundamental no monitoramento em tempo real da progressão tumoral, avaliação da resposta terapêutica e detecção de doença residual mínima.
Com foco em dezenas a centenas de genes-alvo, a novidade detecta mutações pontuais e rearranjos genéticos com relevância terapêutica. Assim, um paciente que antes precisava de biópsias invasivas para monitorar a evolução do câncer agora pode realizar um simples exame de sangue para obter informações detalhadas sobre o tumor. Isso permite ajustes rápidos no tratamento e oferece insights valiosos sobre a heterogeneidade tumoral. Estudos mostram que pacientes tratados com terapias-alvo têm uma elevada taxa de resposta em comparação aos tratamentos convencionais. Além disso, a biópsia líquida tem demonstrado sensibilidade de até 90% na detecção de mutações em diferentes estágios do câncer e ainda é capaz de diferenciar mutações adquiridas pelo tumor durante seu desenvolvimento, daquelas hereditárias, relacionadas a síndromes de predisposição ao câncer.
Essas duas tecnologias são pilares da oncologia de precisão. Elas não apenas oferecem esperança para pacientes e médicos, mas também nos aproximam de um futuro em que o câncer será tratado de forma única para cada indivíduo. O desafio agora é tornar essas tecnologias acessíveis a todos, garantindo que seus benefícios sejam sentidos globalmente.
*Luiz Henrique de Lima Araujo é diretor médico de oncologia na Dasa; Henrique Galvão é gerente médico da Dasa Genômica