Disforia de gênero: um desafio vivenciado pela comunidade trans
No Dia da Visibilidade Trans, especialista explica os principais sofrimentos dessas pessoas e defende mais preparo do sistema de saúde para atendê-las
A data de 29 de janeiro vem nos lembrar da existência de uma população que foi, por muitos anos, deixada à margem das políticas públicas de saúde. O objetivo deste dia é promover a conscientização sobre os desafios e as conquistas das pessoas transgênero na sociedade. Além disso, busca-se combater o preconceito, a discriminação e a violência que afetam essa comunidade, lutando por igualdade de direitos e oportunidades.
Gênero é a construção social que se faz, principalmente nos primeiros anos de vida, ao redor dos papéis que homens e mulheres desempenham na vida e na sociedade. A pessoa trans é aquela cuja percepção de gênero é oposta ao seu sexo biológico, determinado ao nascimento.
Ser transgênero já foi considerado doença e, desde 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a transexualidade como transtorno mental da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11).
Viver em um corpo que não corresponde ao seu próprio gênero pode ser motivo de sofrimento, muitas vezes intenso. Sentimentos como tristeza, raiva e culpa compõem o que se denomina “disforia de gênero”. Trata-se de um estado de profundo incômodo e infelicidade que acomete grande parte da população trans, em diversos momentos de suas vidas. É importante destacar que a disforia de gênero não é uma doença mental.
Uma pessoa trans pode optar por fazer cirurgias como parte do processo de transição de gênero, o que é uma experiência individual e única para cada pessoa. A decisão de realizar procedimentos cirúrgicos está relacionada ao alinhamento do corpo com o gênero. Existem algumas razões comuns pelas quais uma pessoa trans pode escolher se submeter a eles: alinhamento com a identidade de gênero, bem-estar psicológico e social e redução da disforia.
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Procedimentos como feminização facial, tireoplastia (redução do pomo de Adão), mamoplastia de aumento e redesignação sexual feminizante (transformação do pênis e testículos em vagina e vulva) são bastante desejados por mulheres trans. Já homens trans frequentemente procuram por procedimentos como a mastectomia masculinizante (retirada de tecido mamário). Vale destacar que, ao se submeter a cirurgia de redesignação sexual, a pessoa precisa ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar tanto no pré como no pós-cirúrgico.
Embora cada pessoa trans seja única e suas experiências variem, alguns estudos internacionais indicam benefícios significativos para a qualidade de vida após essas cirurgias. Antes do procedimento, mais de 50% das pessoas trans classificam sua qualidade de vida sexual como ruim.
Uma pesquisa sueca que avaliou 190 pacientes submetidas à redesignação sexual entre 2003 e 2015 observou aumento no bem-estar geral – e o mesmo aconteceu de maneira precoce no pós-operatório. Houve aumento de 5% na funcionalidade social e na qualidade da saúde mental e de 4% na vitalidade dos pacientes.
Procedimentos de afirmação de gênero, conforme demonstrado em revisões sistemáticas recentes da literatura, podem ajudar a diminuir a disforia, contribuem para aumento na autoestima e autoaceitação e reduzem sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.
Outro ponto importante é que a pessoa trans tem o direito de requerer, a qualquer momento, a inclusão do seu nome social em documentos oficiais, prontuários e demais formulários. Além disso, maiores de 18 anos podem requerer a retificação do nome e do gênero na certidão de nascimento em cartório.
Hospitais preparados para lidar com essas necessidades devem oferecer atendimento cada vez mais humanizado, individualizado e com qualidade e segurança aos pacientes. É crucial que os profissionais de saúde recebam treinamento adequado sobre as questões enfrentadas por pacientes trans, evitando julgamentos, pré-conceitos e discriminação.
Isso abrange desde o entendimento das questões de saúde mental relacionadas à identidade de gênero até a competência cultural para lidar com uma população diversificada. Criar um ambiente acolhedor é essencial para o bem-estar emocional e físico dessas pessoas.
A capacidade de viver de acordo com a identidade de gênero desejada, após tratamentos de afirmação de gênero, permite que as pessoas trans participem mais plenamente na sociedade, sem as barreiras que a disforia de gênero impõe.
* Thiago Caetano é urologista e cirurgião em afirmação de gênero do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo