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De ‘Adolescência’ ao Massacre de Suzano: entre a série e a vida real

Psiquiatra que atendeu vítimas do ataque a uma escola de Suzano em 2019 traça paralelo entre a tragédia e a minissérie da Netflix

Por Maurício Okamura*
Atualizado em 9 abr 2025, 15h18 - Publicado em 9 abr 2025, 07h30

Ainda me lembro da ligação que mudou o rumo daquela manhã tranquila no Hospital das Clínicas Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes (SP). Era um dia aparentemente comum na enfermaria psiquiátrica, até que o telefone tocou insistentemente. Quando atendi, ouvi a voz trêmula da Tácia, minha chefe na Prefeitura de Suzano: “Preciso que você venha imediatamente. Houve um massacre na escola. Alunos e funcionários mortos. Os sobreviventes estão aqui no CAPS.”

A tranquilidade da rotina desapareceu instantaneamente. Não era um surto psicótico ou uma crise suicida, como costumávamos lidar. Era algo muito maior. Rapidamente, fui para lá, onde adolescentes traumatizados buscavam refúgio após fugirem da cena de horror. O cenário era de caos: gritos, choro, desespero. A dor estava estampada em cada rosto. Famílias desamparadas buscavam respostas, enquanto a cidade parava diante da tragédia.

O Massacre de Suzano, ocorrido em 13 de março de 2019, na Escola Estadual Raul Brasil, deixou dez mortos e inúmeros feridos. Foi um divisor de águas na forma como enxergamos a saúde mental dos jovens e os impactos da violência nas escolas. Durante os dias que se seguiram, ficou evidente que nossa sociedade ainda enfrenta enormes desafios para entender as raízes dessa violência.

A partir dessa experiência, fiquei marcado por uma questão: como identificar sinais de risco em adolescentes? Muitos pais, preocupados, começaram a me procurar, questionando se seus filhos poderiam desenvolver condições como o Transtorno Opositor Desafiador (TOD) ou até mesmo traços de psicopatia.

A verdade é que a ciência ainda não possui métodos confiáveis para prever comportamentos violentos em adolescentes. Estudos indicam correlações, mas estão longe de estabelecer uma verdade absoluta. A saúde mental é um campo complexo, especialmente na adolescência, fase marcada por mudanças hormonais e emocionais intensas.

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A psiquiatria aponta que, embora comportamentos violentos possam estar associados a fatores como alienação social e ressentimento, não há como estabelecer uma relação direta e preditiva. Existem culturas, como a ‘incel’, que ainda é um pouco compreendida no Brasil, mas envolve jovens que se sentem alienados e desenvolvem ódio contra o mundo, muitas vezes canalizando sua frustração para atos extremos.

O adolescente é, antes de tudo, um ser atravessado pelo medo, vivendo uma crise de identidade e se sentindo vulnerável. Precisa passar pelo amadurecimento e fazer suas próprias descobertas. Nem sempre consegue expressar o que sente e, quando o faz, a mensagem muitas vezes vem cifrada, exigindo ser desvendada e acolhida.

Ao mesmo tempo, esse crescimento precisa de proteção: é necessário estabelecer limites e garantir um ambiente suficientemente bom – como diria o o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott.

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Ao assistir à minissérie Adolescência, da Netflix, não pude deixar de notar a consequência macabra da data do massacre de Suzano. A trama explora a violência juvenil e a busca por identidade – reconheci muitos elementos que observo em minha prática – e revela como jovens vulneráveis podem encontrar refúgio em grupos perigosos que promovem misoginia e violência. Essa combinação, no contexto pós-pandemia, reflete uma crise social que extrapola a saúde mental.

O enredo também reflete a complexidade das relações familiares e como, muitas vezes, os pais enfrentam dificuldades para lidar com as mudanças de comportamento dos filhos adolescentes. O personagem Jamie, por exemplo, busca identidade em meio à frustração e ao ódio que se acumulam, ilustrando como a falta de acolhimento e diálogo pode desencadear tragédias.

A série diz muito mais a nós pelo o que não é dito, ou é dito nas entrelinhas. A filmagem frenética ininterrupta de plano-sequência não acelera a narrativa, ela nos angustia pois reflete nossa realidade: estamos acelerados, mas desconectados; estamos acelerados, mas destituídos de sentido. Diante do terror há a incompreensão, a surpresa, a impotência. Não há respostas fáceis.

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A mensagem que fica é clara: precisamos fortalecer o diálogo com nossos adolescentes e criar ambientes seguros que promovam a escuta ativa e o acolhimento. Educar jovens para lidar com frustrações e entender suas emoções é um passo essencial para evitar que sentimentos reprimidos se transformem em atos de violência.

Como profissionais de saúde e responsáveis pela nova geração, precisamos estar atentos às novas dinâmicas sociais e às influências que moldam o comportamento desses jovens. Apenas assim poderemos promover a prevenção efetiva e cuidar desses meninos e meninas com responsabilidade e empatia.

* Maurício Okamura é psiquiatra e referência técnica em psiquiatria do Grupo Amil

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