Câncer de próstata: investigação genética para cercar a doença
Especialista comenta o papel de novos biomarcadores para o diagnóstico da doença e projeta como eles poderão mudar a prática clínica no futuro
Em se tratando de saúde, aliar a prevenção ao diagnóstico precoce é uma combinação determinante para que pacientes consigam viver mais e melhor. Quando se fala em câncer de próstata, então, essa combinação pode ser ainda mais potente, já que, se detectado em estágio inicial, as chances de cura podem chegar a 97%.
Apenas esse dado deveria ser suficiente para vencer o medo e o tabu relacionados ao rastreamento da doença e incentivar a procura por acompanhamento médico, mas a realidade no Brasil é bem diferente: 20% dos casos ainda são descobertos em estágio avançado.
Apesar da dura jornada de combate ao câncer, os contínuos avanços na oncologia são promissores e trazem novas perspectivas aos pacientes que descobrem a doença mesmo tardiamente. Atualmente, existe a possibilidade de realizarmos exames mais sofisticados que rastreiam as células doentes e ajudam o médico a eliminá-las por meio da medicina de precisão.
Importante lembrar que o câncer de próstata é heterogêneo, ou seja, pode ter diversas assinaturas genéticas. Por isso, é preciso investigar seu biomarcador para um tratamento personalizado e eficaz. É assim que países desenvolvidos conseguiram uma redução de 40% na taxa de mortalidade destes pacientes nos últimos 15 anos.
A descoberta da mutação não só beneficia o paciente com a possibilidade de realizar um tratamento mais assertivo, reduzindo o risco de progressão da doença, o risco de morte e aumentando a sobrevida global, como contribui para o diagnóstico precoce das gerações futuras.
É sabido que 15% dos pacientes com câncer de próstata avançado vão apresentar mutações nos genes BRCA1, BRCA2 ou ATM. Inclusive, pacientes com mutação de BRCA2, gene também presente no câncer de mama, têm um risco elevado de desenvolver tumores de próstata mais agressivos e em idades mais jovens.
Por isso, nesses casos, os homens devem começar a realizar os exames preventivos com 40 anos. A mesma indicação é para pessoas que tenham caso de pai e irmãos diagnosticados com câncer de próstata, devendo iniciar também a avaliação entre os 40 e 45 anos, devido ao maior risco.
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Tamanha é a importância da realização de teste genético que a National Comprehensive Cancer Network (NCCN) e a European Society for Medical Oncology (ESMO) recomendam o exame HRR, que apura essas alterações, em pacientes com câncer próstata metastático ou na progressão para resistente à castração. O método avalia em uma amostra tumoral a presença de variantes somáticas e potencialmente germinativas (herdadas) nos genes BRCA1, BRCA2, ATM, entre outros.
O teste germinativo, realizado por amostra de sangue ou saliva, também é fundamental no tratamento e na avaliação de risco do câncer de próstata, recomendado para pacientes com câncer de próstata metastático ou em casos com histórico familiar sugestivo de câncer de próstata hereditário, visto que a hereditariedade é um dos principais fatores de riscos para o desenvolvimento do problema
A realização do teste germinativo é preconizada pela NCCN, já que cerca de 1 a 4 pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração apresentam mutações nesses genes e 50% destes correspondem às mutações germinativas.
Sabemos que o acesso a exames como esses precisam ser facilitados aos médicos e pacientes brasileiros para que seja possível a descoberta da mutação, levando à possibilidade de escolha de um tratamento personalizado, além de deixar pavimentado um caminho para exames preventivos para as próximas gerações.
Pensando nisso, hoje já existem programas, como o ID.AZ, que viabilizam a testagem genética via tecido tumoral, o padrão-ouro, para todos os pacientes de câncer de próstata metastático, a retestagem por biópsia líquida para pacientes com câncer de próstata metastático que obtiveram resultados inconclusivos ou cancelados em testes prévios. A partir de agosto deste ano, a plataforma também passa a oferecer o teste germinativo aos pacientes com câncer de próstata metastático que tiverem resultados positivos nos testes anteriores (tecido tumoral ou biópsia líquida), além de e aconselhamento familiar com oncogeneticista.
Como comento no prefácio do meu livro Vencer o Câncer de Próstata, essa doença deveria estar em extinção nos dias de hoje, pois demora cerca de dez anos para atingir um centímetro cúbico, tamanho que pode indicar seu estágio inicial e mais propenso à cura. Ter essa noção em mente e contar com os novos recursos da medicina de precisão só reforçam minha crença de que o conhecimento é a ferramenta mais eficaz para colocá-la em seu devido lugar.
* Fernando Maluf é oncologista, diretor médico associado do Centro de Oncologia da BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo, cofundador do Instituto Vencer o Câncer e professor livre-docente pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo