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A reposição hormonal na menopausa e o coração: o que diz a nova diretriz

Documento aborda uso e impacto da terapia hormonal na doença cardiovascular; indicação foi flexibilizada, mas deve ser orientada e individualizada

Por Maria Cristina Izar e Carla Lantieri*
16 out 2024, 09h11

A última Diretriz Brasileira sobre Saúde Cardiovascular no Climatério e na Menopausa, publicada em 2024, traz evidências científicas importantes em relação à polêmica sobre reposição hormonal. A terapia, administrada a mulheres na menopausa, é, sim, recomendada nesta fase devido aos benefícios à qualidade de vida e sem contraindicações quando feita dentro da janela de oportunidade.

Do que falamos? Dos primeiros dez anos do início da menopausa e/ou antes dos 6o anos. Contrariamente, iniciar o tratamento fora desses parâmetros pode elevar o risco absoluto de doença cardíaca, tromboembolismo venoso e acidente vascular cerebral.

A conclusão do documento, publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), envolveu vários estudos, que consideraram também a necessidade de análise caso a caso para uma prescrição que leve em conta o histórico de saúde da paciente.

Repor ou não os hormônios que deixam de ser produzidos pelo corpo feminino pós-idade fértil passou a ser dúvida entre especialistas após 2002, quando a Women’s Health Initiative (WHI), do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, publicou um ensaio clínico afirmando haver mais desvantagens que vantagens na utilização de estrogênio isolado ou associado à progesterona para minimizar os sinais e sintomas da menopausa.

Entre os possíveis danos, risco aumentado de câncer de mama, acidente vascular cerebral (AVC), doença arterial coronária (DAC) e tromboembolismo venoso (TEV). O estudo considerou um acompanhamento médio das pacientes de 5,2 anos.

O impacto dessa avaliação ocasionou a diminuição progressiva da recomendação e uso da terapia hormonal, que, antes da divulgação do documento, estava bastante difundida. No entanto, a população analisada para o WHI era mais velha, com cerca de 63 anos. Por isso, a idade mais avançada no momento do início da THM poderia estar associada a maior risco cardiovascular no princípio do estudo, com lesões avançadas ou complexas, mais suscetíveis aos efeitos pró-trombóticos e pró-inflamatórios do estrogênio reposto, em especial quando utilizado via oral.

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Porém, atualmente, mulheres passam mais de um terço de suas vidas em pós-menopausa – calcula-se que até 2025 12% da população mundial estará nesta condição. Por isso, o efeito protetor da reposição se mostra fundamental: a terapia hormonal minimiza efeitos indesejados, como as famosas ondas de calor, suores noturnos e distúrbios de sono e humor.

Portanto, quando a terapia de reposição acontece logo após a menopausa, tende a não causar danos e se mostra benéfica. Uma revisão de 19 ensaios clínicos de reposição oral (incluindo os realizados pelo WHI), com mais de 40 mil pacientes em pós-menopausa, com análises de subgrupos daquelas que iniciaram a terapia menos de dez anos após a menopausa, reportou menor risco e mortalidade por doenças cardiovasculares. 

A favor do coração

As doenças cardiovasculares estão entre as maiores causas de mortalidade feminina. Levantamento da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), com base em registros oficiais, apontam que, em 2022, cerca de 190 mil mulheres morreram devido ao problema no país.

A menopausa contribui para estas estatísticas, uma vez que colabora com o aparecimento dos riscos tradicionais: a redução da função protetora do HDL-colesterol e o aumento da concentração de colesterol ruim e da propensão a hipertensão e diabetes. Na menopausa precoce, os riscos tendem a ser potencializados.

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Mudanças no estilo de vida também marcam essa transição. O sedentarismo vira tendência porque a queda de hormônios diminui a energia tanto para a rotina como para a prática de exercícios. Mas as mulheres não devem sucumbir: no pós-menopausa, há perda óssea e diagnóstico de osteoporose em 20 a 30% dos casos, aumentando a probabilidade de fraturas, além de facilitar o ganho de peso – e, consequentemente, as ameaças metabólicas e cardiovasculares.

O tabagismo é um mal para todos, mas as fumantes apresentam o dobro de possibilidade de menopausa precoce e ex-fumantes têm 15% a mais de chance de sofrer com insuficiência ovariana e também com a menopausa antes da hora.

O estresse é outra preocupação: há maior ocorrência de depressão e ansiedade nessa fase de mudanças. Gatilhos emocionais associados chegam a levar à ativação sustentada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, com desregulação do perfil metabólico e inflamação sistêmica, aumentando a vulnerabilidade cardiovascular.

Tratamento individualizado

Como já visto, os efeitos benéficos da terapia de reposição hormonal dependem de certos protocolos. A decisão sobre o início, a dose, o regime de administração e a duração deve ser tomada junto ao médico.

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Mulheres em menopausa, com fatores de risco cardiovascular, necessitam de avaliação criteriosa antes da prescrição. Aquelas com hipertensão arterial sistêmica controlada e sintomas vasomotores de moderados a intensos estão aptas à reposição por qualquer via. Já na presença de obesidade, dislipidemia, diabetes e síndrome metabólica, a opção tende a ser a terapia estrogênica transdérmica.

Quando se considera a via de administração, a questão central refere-se ao estrogênio, podendo ser ministrado por via oral, transdérmico ou vaginal. A via vaginal destina-se a efeitos locais no sistema genital, sem efeitos sistêmicos significativos, enquanto as vias oral e transdérmica são mais efetivas.

Por via oral, o estrogênio sofre o chamado efeito de primeira passagem no fígado e interfere na síntese de fatores de coagulação e, por essa razão, há chance de aumento do risco trombótico. Esse fenômeno explica o fato de o estrogênio oral favorecer algum incremento dos níveis plasmáticos de triglicérides, mas também propicia maior acréscimo do bom colesterol (HDL) associado a maior redução do colesterol ruim (LDL) do que o observado com a via transdérmica.

A terapia estrogênica por via vaginal para tratar a síndrome geniturinária da menopausa pode ser utilizada em pacientes com fatores de risco cardiovascular conhecidos ou doença estabelecida – e não necessita o acréscimo de progestagênio naquelas que passaram pela retirada dos ovários.

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É importante destacar que não aplicamos a terapia hormonal em pacientes com doença cardiovascular manifesta, história de infarto agudo do miocárdio ou AVC. Da mesma forma, alguns tipos de câncer a contraindicam. Nunca é demais lembrar que exames de rotina para monitoramento de útero, das mamas e das artérias nunca devem ser negligenciados, independentemente de a mulher fazer uso da terapia hormonal ou não.

* Maria Cristina Izar é cardiologista, presidente da SOCESP (biênio 2024/2025) e professora da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Carla Lantieri é integrante do SOCESP Mulher e coautora da Diretriz Brasileira sobre a Saúde Cardiovascular no Climatério e na Menopausa

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