A epidemia invisível: o aumento alarmante do suicídio no Brasil
Alguns grupos, como jovens, idosos e minorias étnicas e sexuais, são especialmente vulneráveis ao suicídio, alerta especialista
Em escala global, a incidência de suicídios tem diminuído nas últimas décadas, principalmente devido à redução dos casos na China. Todavia, o que é preocupante para nós, neste período o suicídio aumentou em até 35% no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos cerca de 800 000 pessoas tiram a sua própria vida – o que corresponde a um suicídio a cada 40 segundos pelo planeta.
O impacto ainda é maior se considerarmos que, para cada suicídio executado, outras 23 pessoas tentam tirar a própria vida. Estamos falando de uma tragédia que atinge, por ano, 16 milhões de tentativas de suicídio no globo.
Notem que tais números são subestimados. Pesquisas recentes mostram que, em média, cerca de 30% dos casos de suicídio ou de tentativas não são notificados. Corrigindo-se, portanto, as estatísticas, chegaremos a mais de 20 milhões de tentativas ou de suicídios consumados ao ano.
Essa tragédia atinge proporções descomunais de sofrimento humano, se considerarmos que cada suicídio afeta, no mínimo, de 5 a 10 parentes e amigos próximos. O resultado é que, a cada ano, mais de 100 milhões de pessoas sofrem com as consequências do suicídio.
O suicídio completo é de 2 a 4 vezes mais frequente em homens, enquanto as tentativas de suicídio são 3 vezes mais frequentes em mulheres. Uma provável explicação para o fenômeno, que é conhecido como o paradoxo de gêneros, é que os homens usam métodos mais violentos e letais, como armas de fogo e enforcamento.
Todavia, é um erro grave achar que as tentativas de suicídio frustrados em mulheres são apenas uma forma de chamar a atenção, pois estas tentativas são o maior fator de risco para suicídio no futuro. Além disso, a depressão é o mais importante elemento por trás do problema, sendo responsável por até 80% dos suicídios.
Outros fatores de risco importantes são o abuso de álcool e drogas, a solidão e o isolamento social, perda da posição socioeconômica, desemprego e doença física, principalmente quando acompanhada de dor crônica.
Idosos representam um grupo de risco elevado para o suicídio, por apresentarem diversos fatores de risco ao mesmo tempo. Pesquisa recente no Brasil aponta que os idosos representam 25% dos suicídios, embora representem apenas 10% da população.
Ameaça à juventude
É preocupante o aumento recente de suicídio em adolescentes e adultos jovens. Pesquisas internacionais mostram que o suicídio em pessoas de 15 a 24 anos triplicou a partir da segunda metade do século XX, sendo hoje a segunda causa de morte neste grupo. Nesta população, o bullying tem sido frequentemente relacionado ao suicídio.
E como fator preditivo do risco, destaca-se o comportamento de automutilação: estudos apontam que a automutilação ocorre em cerca de 10% de adolescentes, e que apenas um a cada 8 procuram ajuda médica ou psicológica devido ao quadro.
Minorias sexuais têm um risco aumentado para o suicídio. Uma análise da literatura mostrou que tentativas de suicídio ocorrem 4 vezes mais em jovens LGBTQ do que em pessoas da mesma faixa etária.
Segundo a Pesquisa Nacional de Discriminação Transgênero, nos Estados Unidos, 41% de adultos trans já haviam tentado o suicídio pelo menos uma vez, e este risco aumentava para 61% quando eram vítimas de violência sexual. Esta pesquisa revelou que, a cada vez que uma pessoa LGBTQ é vítima de constrangimentos ou violência sexual, ela aumenta em 2,5 vezes o risco de mutilar a si mesma.
Finalmente, uma pesquisa da San Francisco State University, nos EUA, evidenciou o papel da família neste contexto: jovens homossexuais ou bissexuais que não são aceitos por suas famílias têm um risco de suicídio 8 vezes maior do que os jovens que são aceitos e integrados.
Minorias étnicas e raciais, como imigrantes, também apresentam um risco aumentado ao suicídio. Pesquisas indicam que, nestes grupos, o risco de suicídio está relacionado a dificuldades de comunicação com a língua, preocupações e separação da família, assim como perda do status social, isolamento e aculturação.
Problema de saúde pública
Ao longo do século XX, vários estudos comprovaram que o suicídio é contagioso. E a soma dos dados apresentados sugere que o suicídio atingiu dimensões epidêmicas. Portanto, é missão urgente do estado e da sociedade tomarem medidas para reduzir os fatores de risco em indivíduos vulneráveis.
Constatamos, então, que, embora o suicídio continue em proporções alarmantes na população, muito aprendemos com a pesquisa dos fatores que aumentam o seu risco. Munidos dessas informações e do conhecimento científico, podemos combater de modo mais eficaz esse evento dramático que afeta anualmente milhões de famílias.
Prevenir o suicídio é juntar esforços multidisciplinares para preservar a vida e evitar o sofrimento. É tarefa urgente dos governos e dos diferentes setores da comunidade. É chegado o tempo de uma ação imediata. A vida não pode esperar.
* Wagner Farid Gattaz é psiquiatra, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e chairman da Gattaz Health