No seu mais recente, prestigioso e contundente livro A Última Trincheira da Abolição, Cristovam Buarque, intelectual denso, inquieto e de olhar apurado e sensível, aponta com precisão que a trincheira faltante para conclusão da abolição da escravatura real e efetiva é a inclusão integral do negro na educação e a promoção de uma educação republicana, democrática, antirracista, inclusiva, igualitária, diversa — e que ofereça a mesma qualidade para o filho do pobre e para o filho do rico. Para o filho do negro e para o filho do branco. Isto porque a abolição, além de procrastinar nas ações necessárias para tornar os negros libertos efetivos cidadãos, praticamente manteve o sentido da escravização ao não construir mecanismos de acesso a educação aos pais e filhos negros libertos.
Estruturada e desenvolvida sobre esses pressupostos, e afogada nesse falso republicanismo, tornou-se educação elitista, racista, excludente, injusta e discriminadora. Uma educação que distingue e hierarquiza. Os ricos com acesso ao ensino fundamental privado e universidade pública gratuita de altíssima qualidade — e os pobres com a escola publica despossuída, sucateada e acesso ao ensino superior particular caríssimo e desqualificado.
E, por fim, uma educação branca, hegemônica, segregatória e construída sobre estigmas e princípios de um verdadeiro sistema de apartheid racial, onde os negros quando muito puderam tão somente sentar-se nas carteiras escolares como alunos. Jamais como formuladores, gestores, professores, pesquisadores e dirigentes da educação. Nem na educação pública e menos ainda na educação privada.
A luta intensa e permanente dos negros, os esforços do Brasil republicano e as poucas concessões do sistema dominante da branquitude têm vagarosamente ajudado mudar parte dessa feia fisionomia. A ações afirmativas na educação pública e privada e as cotas para alunos negros no ensino superior têm sido instrumentos valioso dessa ferrenha batalha, mas impotente, até aqui, para alcançar o equipamento educacional na sua inteireza, e incapaz de projetar-se para fora dos muros estatais.
É nesse sentido que propostas de cotas para professores negros na Universidade de São Paulo e Unicamp e aprovação de cotas de 37% de professores negros no corpo docente da PUC/SP, instituição de ensino superior privado de altíssima qualidade e relevância, soam como embrião de profunda e grandiosa mudança na estruturação e formalização da educação, com capacidade de promover uma verdadeira revolução na educação, seus propósitos civilizatórios e, sobretudo, no próprio país.
Uma educação pública e privada antirracista, inclusiva, que fortaleça e valorize a diversidade racial que garanta oportunidade para profissionais da educação independentemente de cor e raça e que congregue nos seus objetivos todas as contribuições, sentidos e visões de mundo, seguramente será uma educação de elevadíssima capacidade democrática, aglutinadora e harmonizadora social, e, principalmente, de produção e construção de uma educação mais rica, legítima, unificadora, potente, estimulante e aproveitadora do conjuntos do melhores dos recursos e talentos humanos disponíveis na nação.
Ou seja, uma educação libertadora, criativa e desbravadora. Fortalecedora da democracia e da coesão social, acolhedora e integradora das diferenças, e estimuladora do florescimento de pulsantes talentos e inventividades. Com os professores incluídos e garantidos nos bancos do ensino superior público e privado, o país dá mais um salto profundo, consistente e urgente na superação da última trincheira da abolição.