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Informação e análise

Votos e segredos

Trama eleitoral afetou a disputa e deixou rastro de suspeita

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h36 - Publicado em 21 out 2022, 06h00

O aviso em letras amarelas reluzia sobre o fundo azul-escuro do outdoor: “Esta obra está sendo realizada com emendas dos parlamentares deputado federal Jhonatan de Jesus (e) senador Mecias de Jesus”.

A imagem que ladeava o texto havia sido distorcida para deixar o filho Jesus, deputado federal, mais destacado que o pai Jesus, senador. São líderes de um clã cuja ascensão na política de Roraima é turbinada pela eficiente máquina eleitoral da Igreja Universal, controladora do partido Republicanos.

Atrás da placa restou um buraco, margeado pelo mato em crescimento. A Justiça Eleitoral mandou remover a propaganda. “Enaltecimento pessoal”, definiu. No cartaz não havia uma única informação sobre a obra nem sobre o dinheiro público enterrado naquele trecho de barro de Caroebe, município a cinco horas de viagem de Boa Vista.

Esse aglomerado de 11 000 pessoas é uma das frentes da disputa religiosa na Amazônia, onde o evangelismo pentecostal tenta vencer o catolicismo. Ali, o partido da Universal coletou 75% dos 5 000 votos disponíveis para Jair Bolsonaro e garantiu ao deputado Jesus votação igual à de Lula.

Ele chega ao quarto mandato a bordo de 20 000 votos, o equivalente a 6% do total, numa das campanhas mais caras do país, abastecida com recursos públicos do Fundo Eleitoral e do orçamento secreto, ou paralelo — mecanismo de repasse de recursos, sem transparência, adotado no governo Bolsonaro para atender a parlamentares.

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Cada voto de Jesus em Roraima custou mais de 63 salários mínimos. Ele gastou 7 700 reais por eleitor. É sete vezes mais que a renda média da população do estado.

Jesus recebeu 154 milhões de reais em emendas orçamentárias, além de 1,5 milhão de reais do partido. Isso equivale a 15% da arrecadação anual de Roraima e a 25% da receita da prefeitura de Boa Vista.

Na Câmara, o campeão no consumo de verbas em campanha foi o deputado Arthur Lira, do Partido Progressistas de Alagoas. Acabou reeleito com 219 400 votos — 52% mais do que em 2018. Presidente da Câmara, Lira não gosta da expressão “orçamento secreto” ou “paralelo”. Prefere “orçamento municipalista”.

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“Trama eleitoral afetou a disputa e deixou rastro de suspeita”

Na dimensão local, cada voto da sua reeleição custou 2 200 reais, quase o triplo da renda média dos alagoanos. Ele recebeu 492 milhões de reais em emendas, valor correspondente a 4,5% da arrecadação (ICMS) de Alagoas e o triplo da receita (IPTU) de Maceió.

São 19 bilhões de reais em verbas anuais que a maioria parlamentar maneja em obras e serviços nos seus distritos eleitorais. O dinheiro está concentrado no trio de partidos (PP, PL e Republicanos) integrantes do Centrão, esteio parlamentar de Bolsonaro. A irrigação monetária favoreceu a reeleição de dois de cada três deputados.

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Resultado de um acordo negociado pelo governo, esse arranjo possibilitou aos líderes do Centrão, desde 2020, a dominância no Congresso, no Orçamento e em áreas-chave da administração. Na essência, é um enredo obscuro de uso do dinheiro dos impostos.

É trama política precária. Produziu desigualdade na disputa nas urnas, liquidou com a isonomia entre deputados e senadores e semeou desconfiança no Congresso. Só é sustentável sem a transparência exigida pela Constituição no controle do Orçamento — e, por isso, está na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal que, aparentemente, aguarda por autorregulamentação do Legislativo.

Na agonia fiscal brasileira, é inviável a drenagem contínua de recursos da Saúde e da Educação, por exemplo, para gastos obscuros da elite parlamentar. As consequências óbvias são mais endividamento público e aumento da carga tributária para todos.

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Candidatos da oposição como Ciro Gomes, do PDT, e Simone Tebet, do MDB, atravessaram a campanha qualificando o orçamento secreto, ou paralelo, como epicentro de delinquências no governo Bolsonaro. Quem achou exagero talvez se surpreenda agora com investigações em meio milhar de cidades. Sabe-se pouco, por enquanto, sobre o aluguel de maioria legislativa. Mas proliferam indícios de escândalos.

Caso exemplar é o de Afonso Cunha, que vive do cultivo de mandioca e açaí nas margens do Riacho São Gonçalo, a 300 quilômetros de São Luís. Pelos registros oficiais, recursos da Saúde teriam financiado 30 000 ultrassonografias de próstata nos últimos dois anos. São quatro exames anuais por habitante daquele reduto do deputado Josimar Maranhãozinho, líder regional do Partido Liberal. Na reeleição, ele recebeu 44,3% dos votos locais.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

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