Vento eleitoral
Quase metade (47%) do eleitorado procura candidato sem vínculo com Lula e Bolsonaro
Lula teve uma ideia: “Criar uma espécie de um ‘190’, um ‘180’, um telefone para que as pessoas pudessem telefonar e se queixar se as coisas não estão acontecendo (no governo)”. Na semana passada, justificou-se: “Eu preciso que tenha um lugar para o povo colocar para fora as suas angústias”.
O “Disque-Lula” não existe, mas já tem a primeira queixa para registro: o presidente reclama da rotina dormente do próprio governo — problema do qual tenta se eximir como um crítico distanciado, talvez por achá-lo insolúvel a esta altura do mandato.
Governar, dizia Bill Clinton do lado de fora da biblioteca da Casa Branca, é como dar ordens num cemitério: tem muita gente abaixo de você e ninguém ouve. No Palácio do Planalto, “erro” é palavra temida. Ali predomina o receio de levar problemas ao chefe, e a frase mais repetida é: “Quem vai contar para o Lula?”. Mês passado, ele reuniu o ministério. Passou cinco horas ouvindo e concordando com ministros que elogiavam… o governo Lula.
No Partido dos Trabalhadores, a opção preferencial tem sido pela máscara. Como relatou o deputado paulista Arlindo Chinaglia, em recente reunião interna: “O que se ouve na bancada federal do PT sobre o ministério do Lula nem sempre são elogios. A gente finge que está concordando, que está todo mundo satisfeito”. O partido tem culpa, ele acha: “Não temos coragem para falar. O que estamos fazendo? Só batendo palmas”.
A aflição com o governo disfuncional, sem bússola nem rumo, não é privilégio do presidente e dos aliados. Queixas e reclamações dos eleitores reluzem em diferentes pesquisas dos cinco meses. “O brasileiro quer ver a luz do fim do túnel, o que Lula não está oferecendo”, interpreta Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva/Data Favela. Insatisfações crescentes captadas nas sondagens de opinião incomodam Lula porque contêm potencial corrosivo para os planos de reeleição. Já animam conversas entre banqueiros, industriais e comerciantes do eixo São Paulo-Rio sobre mudanças na direção do vento eleitoral num cenário de baixo crescimento econômico e alta desigualdade social.
“Quase metade (47%) do eleitorado procura candidato sem vínculo com Lula e Bolsonaro”
No outono do ano que vem, Lula precisará escolher uma entre três alternativas: vai à reeleição; se aposenta depois de três décadas e meia no ofício de candidato presidencial permanente do PT; ou indica substituto para a disputa em 2026. Em qualquer opção estará condicionado pelos resultados das eleições municipais deste ano.
O Ipec constata que quase metade (47%) do eleitorado procura candidatos a prefeito e vereador sem vínculos com Lula e Jair Bolsonaro. Essa busca sugere duas coisas, acha Marcia Cavallari, responsável pela pesquisa: uma é a vontade de renovação, outra é a expectativa de novo modelo de liderança política. Elas permitem, também, um vislumbre da sutileza e elegância dos eleitores no aviso sobre fadiga de material na política.
No Congresso, há consenso sobre a tendência de reforço dos partidos de centro e de direita nas eleições de outubro, para prefeito e vereador, em coerência com o panorama traçado nas pesquisas. Na leitura interessada do governador paulista, Tarcísio de Freitas, isso significa que “a população está cada vez mais de saco cheio, ninguém aguenta mais, e acho que ela vai dar o tom (em outubro)”.
Antonio Lavareda e Vinícius Silva Alves, do Ipespe, estudaram as disputas municipais dos últimos 39 anos. Suspeitam que elas têm funcionado como uma espécie de barômetro das eleições gerais seguintes. Ou seja, sinalizando as chances dos blocos políticos nos embates posteriores pela Presidência, governos estaduais e bancadas parlamentares.
Certo mesmo é que há década e meia a direita avança nas eleições municipais. Ampliou seu espaço (de 41,9% para 45,1%) na soma nacional de votos nas cidades, entre 2008 e 2012. Na sequência, em 2016, cresceu nas câmaras municipais (de 45,1% para 52,6% do total) e nas prefeituras (de 29,8% a 37,7%). Na disputa de 2020, aumentou a votação para vereadores (59,2%) e prefeitos (54,3%).
Faltam cinco meses para o primeiro turno em 5 570 cidades. Os erros do governo, as frustrações dos eleitores estampadas nas pesquisas e o histórico recente do desempenho eleitoral nos municípios incitam a marcha da direita no mapa político. Mas, vale lembrar: o lulismo venceu cinco das seis eleições presidenciais realizadas nas últimas duas décadas.
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Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890