Uso e abuso
Desfecho da crise dos Correios é previsível: outra vez, quem vai pagar é a sociedade

Depois de 362 anos de monopólio, os Correios perderam o fôlego. Já nem conseguem cumprir o antigo compromisso de entregar em até 72 horas documentos despachados pelo serviço expresso na região Sudeste.
A empresa continua cobrando 40 reais para transportar uma folha de papel até um endereço a 800 quilômetros de distância da Avenida Paulista. O prazo, porém, mudou. O tempo agora é incerto como bilhete de loteria: um envelope Sedex de 50 gramas pode demorar três, dez, quinze dias ou mais para chegar ao destino.
Assiste-se ao derretimento de uma corporação estatal singular pela longevidade e, também, pela presença em 5 570 municípios, o que dá dimensão nacional à crise.
Os Correios faturam 20 bilhões de reais por ano, mas gastam 24 bilhões para manter as portas abertas de segunda a sexta-feira — aumento de 8% nas despesas no ano passado. Acumulam dívidas ainda imprecisas nos balanços contábeis, infladas em parte por corrupção e agravadas por má gestão.
O uso e abuso político de empresas públicas e seus fundos de pensão se tornou uma fonte de negócios para dirigentes de partidos e operadores financeiros, nas últimas três décadas, invariavelmente com altas taxas de lucratividade.
Os Correios são caso exemplar das sequelas deixadas numa empresa estatal pelo loteamento político por longo período para usufruto no espectro partidário — do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, entre outros.
Na época das investigações sobre o mensalão, no primeiro governo Lula, a empresa chegou a ter 525 categorias de irregularidades auditadas em dois terços de seus contratos comerciais, todas classificadas como graves e de alto risco para os cofres públicos.
Na década passada, delinquências em série levaram o fundo de pensão Postalis à quebra, com perdas bilionárias e irreversíveis para a estatal e seus empregados.
“Desfecho da crise dos Correios é previsível: outra vez, quem vai pagar é a sociedade”
Aos abalos financeiros somou-se o declínio no mercado. A empresa era responsável por quase metade dos serviços postais no país em 2019 e hoje domina menos de um terço do mercado de entregas do tipo Sedex. O despacho expresso de encomendas e documentos é o “filé” do setor e, até agora, permitia à empresa pública financiar uma rede de 10 000 agências, das quais apenas 1 500 não dão prejuízo.
A decadência empresarial acabou acelerada pela imobilidade do governo e do Congresso, que não conseguem chegar a uma conclusão sobre o que é melhor para o país: reconstruir a estatal ou simplesmente se livrar dos Correios.
O debate é rarefeito e, quando ocorre, acaba aprisionado na esgrima retórica sobre estatização ou privatização. Por conveniência política, a discussão fica distanciada de aspectos relevantes da vida da empresa e sua relação com os clientes. Por exemplo, os Correios não sabem, porque não têm controle, quanta encomenda ou correspondência efetivamente entregam em casa ou guardam em depósito até que o destinatário retire. Não há preocupação com eficiência e qualidade na prestação de serviços postais ao público pagante.
Em contrapartida, interesses corporativos e sindicais prevalecem. Raras são as empresas que sobrevivem a uma greve por ano durante uma década e meia. Os Correios conseguiram e seguem existindo apenas porque pertencem ao Estado brasileiro. A rotina do grevismo numa das maiores empregadoras do país virou meio de vida para uma parte da burocracia que governa quatro dezenas de organizações sindicais.
A conta chegou. O primeiro trimestre foi pontuado por intermitências nos pagamentos do plano de saúde, em aluguéis de imóveis em alguns estados e nos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Na semana passada as transportadoras terceirizadas suspenderam serviços depois de três meses sem receber. Então, os Correios se declararam à beira do abismo. Anunciaram cortes salariais, redução da jornada de trabalho, incentivo a demissões voluntárias e suspensão do pagamento de férias.
A reação dos sindicalistas foi inusitada. Antes de procurar a empresa para negociação, uma federação setorial e seus 31 sindicatos filiados pediu uma audiência a Lula, no Palácio do Planalto, e divulgou uma carta com advertências ao governo: “Não aceitaremos retrocessos ou retirada de direitos, elegemos este governo com a esperança de reconstruir tudo o que foi desmontado”.
É uma nova crise na velha empresa estatal com o desfecho previsível de sempre: vai sobrar mais uma conta para a sociedade.
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Publicado em VEJA de 16 de maio de 2025, edição nº 2944