Um dia de “Lero” no Ministério das Minas e Energia
Em puro nonsense, governo diz que nova demissão de presidente da Petrobras foi para manter "crescimento" do emprego, da renda e "fortalecer" o setor privado
Um dos grandes segredos do governo é um pequeno aparelho, supostamente desenhado a partir de princípios da mecânica quântica.
Ninguém sabe quanto custou, poucos viram, mas especialistas em guerra cibernética que auditaram a máquina comprovaram sua eficiência no socorro ao presidente e aos ministros em situações de emergência, quando precisam explicar o inexplicável.
Em janeiro, foi vista no Palácio do Planalto cumprindo a “missão” de descomplicar para o público o decreto de Jair Bolsonaro que liberava viagens de funcionários ao exterior na primeira classe das companhias aéreas.
Tratava-se de um mimo presidencial de ano-novo, um bálsamo de mordomia para a elite do funcionalismo afligida por dois anos de pandemia com ganhos reais de renda, em empregos estáveis, diante de uma sociedade acossada pela inflação recorde e cevada em cinco meses de trabalho por ano somente para a derrama de impostos.
“Lero”, como é conhecido, foi acionado. Em milissegundos derramou 51 palavras de explicação oficial: “O decreto tem por objetivo mitigar o risco de restrições físicas e de impactos em saúde dos agentes públicos que precisam se afastar em serviço da União ao exterior a fim de tentar atenuar eventuais efeitos colaterais em face de déficit de ergonomia e evitar que tenham suas capacidades laborativas afetadas.”
Em tradução livre, viajar ao exterior no aperto da classe econômica, com passagens pagas pelo governo, poderia ser prejudicial ao interesse público. Bolsonaro, sempre indulgente, liberou mais dinheiro para viagens no orçamento federal, onde todos os gastos já são pardos.
Ontem, “Lero” foi escoltado em regime de urgência urgentíssima ao Ministério de Minas e Energia. Não era para devanear sobre exdrúxulas proposições, como aquela sobre o partido de Hitler ter sido “de esquerda” ou a do “crime” da licença-maternidade seis meses para mulheres — teses com as quais o ministro Adolfo Sachsida já flertou.
Desta vez, a equação era mais complexa: justificar a terceira demissão de presidente da Petrobras em um ano — e o defenestrado de ontem nem teve tempo de receber o segundo salário.
“Lero” tocou seus bits quânticos (também chamados de qubits) em sintonia com as sinapses ministeriais. Num lapso despejou na mesa sugestão de parágrafo para a justificativa ministerial: “O Brasil vive atualmente um momento desafiador, decorrente dos efeitos da extrema volatilidade dos hidrocarbonetos nos mercados internacionais.”
Quis dizer: o governo decidiu demitir mais um presidente da petroleira nacional porque o preço do petróleo continua alto no mercado mundial.
Na essência, nada de novo no front dos valorizados compostos de carbono e de hidrogênio, datados de milhões de anos, também conhecidos como hidrocarbonetos.
A alta de preços dos combustíveis fósseis começou há mais de doze meses, mas o governo achou que o mercado resolveria, como registrou em abril de 2021 numa audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Recebido o “aprovo” de Sachsida, prosseguiu na impressão: “Adicionalmente, diversos fatores geopolíticos conhecidos por todos resultam em impactos não apenas sobre o preço da gasolina e do diesel, mas sobre todos os componentes energéticos.”
“Lero” quis dizer o seguinte: desde que Vladimir Putin, por quem Bolsonaro não esconde admiração, invadiu a Ucrânia o preço do petróleo saltou de US$ 80 para patamar acima de US$ 100 por barril, complicando a vida do candidato à reeleição na presidência do Brasil.
Mas, o problema central continuava na mesa do ministro: como usar a atual conjuntura mundial dos derivados de substâncias formadas por átomos de carbono e de hidrogênio para apresentar a degola do terceiro presidente da Petrobras em um ano?
“Lero” arriscou: “Para que sejam mantidas as condições necessárias para o crescimento do emprego e renda dos brasileiros, é preciso fortalecer a capacidade de investimento do setor privado como um todo.”
Demitir o principal executivo da maior empresa do país para aumentar o emprego e a renda de milhões de brasileiros e ampliar o fluxo de investimento privado, é puro nonsense, mas ministros em crise costumam aceitar qualquer argumento.
Até se vislumbrou uma oportunidade política de autoelogio, se houvesse algum arremate sobre a virtuosidade do atual governo em plena campanha eleitoral.
Então, “Lero” golfou numa folha de papel A-4, abaixo do logotipo Minas e Energia: “Trabalhar e contribuir para um cenário equilibrado na área energética é fundamental para a geração de valor da Empresa [maiúscula no original], gerando benefícios para toda a sociedade.”
Informa-se nas entrelinhas que o governo pretende induzir a Petrobras a “contribuir” nesta fase crítica da campanha de reeleição. Pelo manual, só tem um jeito: usar o caixa da companhia para segurar os aumentos dos preços dos combustíveis, como se fez na década passada a custo bilionário (em dólares e em processos judiciais).
Aprovou-se. E foi proclamada a demissão.
Assim se conta essa história, que é de Sachsida a maior glória.
“Lero” não chegou a imprimir, mas alguém supõe ter visto na sua tela a mensagem final, numa espécie de sorriso quântico:
“Se vivo fosse, o compositor Sergio Porto, Stanislaw Ponte Preta nas horas vagas, teria feito disso outro samba memorável. P.S.: o original está acessível no Google”.