
Lula acha que Donald Trump está dando um tiro no pé ao aumentar impostos sobre produtos importados: “Vai ficar mais caro para o povo americano comprar. E esse mais caro pode resultar no aumento da inflação. E esse aumento de inflação significa aumento de juros. E o aumento de juros significa a contenção da economia”. Ele repete a crítica mais frequente ao projeto nacionalista de Trump, para quem o comércio é instrumento de coerção geopolítica até para expansão territorial.
A realidade, no entanto, é mais complexa do que aparenta o discurso. No Brasil de Lula, por exemplo, o outono começou com novo aumento de impostos sobre os produtos importados. O impacto será significativo no bolso dos consumidores, principalmente de média e baixa renda: uma “blusinha” chinesa de 280 reais, ou 50 dólares na vitrine eletrônica dos revendedores, agora pode custar 420 reais.
A taxação da “blusinha” chinesa é para proteger o milhão de empregos na indústria têxtil nacional, dois terços deles concentrados no Sudeste e no Sul. E, mesmo com esse aumento de imposto, empresários dizem que o poder de competição do produto made in Brazil no mercado nacional continua inferior ao da concorrência estrangeira. Para equalizar, calculam, seria necessário duplicar a tributação sobre os importados.
Já a tarifa aplicada à importação de etanol, alvo de queixas de Trump, é justificada pela defesa de outro milhão de postos de trabalho em bioenergia. Metade está no Nordeste, onde só um terço da lavoura é mecanizada e as usinas são arcaicas.
Os dois casos contam a história de um Brasil de economia fechada, que há duas décadas cresce abaixo da média mundial, segue com a produtividade em declínio e se mantém aprisionado na baixa renda. A perspectiva para os próximos quarenta anos é de mais empobrecimento, advertiu o economista do Banco Mundial Indermit Gill em entrevista a Juliana Elias, de VEJA. Pelas projeções do banco, a renda dos brasileiros cairá ainda mais (de 15% para 10%) em comparação com a renda dos americanos.
“O que o Brasil quer? Governo e Congresso não sabem responder”
A capacidade de resposta do país na guerra comercial está limitada pela anemia econômica e, também, pelo improviso. O governo preferiu tratar como blefe as intimidações de Trump na campanha. Não abriu canais de negociação na transição nem traçou alternativas depois da posse. A iniciativa de uma lei de defesa comercial partiu de uma senadora da oposição, Tereza Cristina (PP-MS). Ficou desbotado e desajustado o figurino de liderança mundial que Lula havia encomendado para o terceiro mandato.
Um pedaço do Brasil está sob ameaça real nesse novo jogo de poder. Abrange a base produtiva de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Os cinco estados sustentam mais de dois terços das exportações aos EUA, com fluxo anual de 30 bilhões de dólares apenas em negócios industriais. Concentram quase dois terços do produto interno bruto (PIB) e, vale lembrar, abrigam metade do eleitorado nacional.
Sem força para retaliar, resta a reação com inteligência. Mas isso depende de resposta à questão básica: o que o Brasil quer? Governo e Congresso não sabem responder, por isso não existe projeto internacional de longo prazo. Não sobrou nem a “natural” liderança regional: o Mercosul está emparedado no egocentrismo de Lula e do argentino Javier Milei, fragmentado e silenciado na defesa dos interesses comuns.
A emergência realça peculiaridades. Uma delas é como a política externa brasileira tem sido influenciada e conduzida de forma restritiva pelas disputas econômicas domésticas. Outra é o uso excessivo da ambiguidade como força motora nas relações do país, que há duas décadas exalta a vacilação entre ser o último dos ricos ou o primeiro dos pobres.
A ambivalência tem sido interpretada como incapacidade na definição de interesses, objetivos e estratégias, notam os pesquisadores Feliciano de Sá Guimarães e Daniel Buarque, que analisaram pesquisas dos últimos treze anos com diplomatas, acadêmicos e empresários estrangeiros.
A ambição do país é percebida, assim como a falta de plano de voo para “chegar lá”. Um diplomata chinês vazou perplexidade com a limitação da política externa aos mandatos presidenciais. Um russo foi mais incisivo: o Brasil “não tem cor”, “não escolhe lados”, “não parece querer nada do mundo”, disse, acrescentando: “Quando se pronuncia, é apenas para falar coisas boas sobre reformas econômicas liberais, mas não tem uma linha de pensamento”.
Sem saber o que se deseja fica difícil inventar o futuro.
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Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938