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Simone e Soraya acertaram na maior fragilidade de Lula, Bolsonaro e Ciro

Elas perceberam a dificuldade deles em fazer política num país onde a pauta, a voz e o voto da maioria feminina são cada vez mais decisivos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 ago 2022, 07h10 - Publicado em 30 ago 2022, 06h00

Duas mulheres foram a um debate político e deram um baile no quarteto masculino. Simone Tebet, candidata presidencial do MDB, e Soraya Thronicke, do União Brasil, começaram a semana com bons motivos para sorrir porque torpedearam os adversários no seu flanco mais frágil: são homens que só falam para homens, a fatia minoritária do eleitorado.

De maneira peculiar, Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Luiz Felipe D’Ávila (Novo), demonstram dificuldade em fazer política num país onde as mulheres são maioria entre eleitores — donas de 53% dos votos e, portanto, decisivas em qualquer disputa nas urnas. Aparentemente, eles ainda não entenderam que a discussão sobre a desigualdade de gênero está cristalizada na cena política nacional.

Está longe de ser novidade. No agosto de quatro anos atrás, Lula estava preso em Curitiba e pode assistir ao desempenho de Bolsonaro em debate com Marina Silva, candidata, da Rede Sustentabilidade.

Ele liderava as pesquisas de intenção de voto, nos cenários sem Lula do Datafolha e do Ibope (árvore da qual nasceu o atual Instituto Ipec). Fez, então, uma aposta dupla.

Uma no papel de porta-voz da massa de eleitores conservadores e evangélicos.

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Outra, como o líder branco de uma imaginária maioria nacional ávida por um governo forte, comandado por um tipo de ex-militar com um plano para aquartelamento da sociedade no fundamentalismo bíblico, a partir da semeadura de armas nas ruas e da interdição do debate civilizatório no Congresso sobre temas como drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto, entre outros.

No debate, escolheu Marina Silva, sua antítese na disputa. Era a segunda colocada nas pesquisas, sem Lula. Mulher de aparência frágil, pele negra, evangélica como ele, notória defensora do desarmamento e, sobretudo, da imparcialidade do Estado em assuntos religiosos.

Provocou-a sobre a “liberação” da venda de armas como elixir para a insegurança pública, sua proposta de governo mais evidente. Marina respondeu-lhe com um óbvio, ululante, “não” às armas. E, então, o surpreendeu com severidade seringueira: “Bolsonaro, você acabou de dizer que a questão dos salários melhores para as mulheres é uma coisa que não precisa se preocupar porque já está na CLT. Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens e ter a mesma capacidade, a mesma competência e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida. E quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não se aceita.”

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Arrematou: “Essa é uma questão que você tem que se preocupar, sim, porque quando se é presidente da República tem que fazer cumprir o artigo 5º da Constituição, que diz que nenhuma mulher deve ser discriminada. E não fazer vista grossa, dizendo que não precisa se preocupar.”

Bolsonaro titubeou diante das câmeras. Negou ter dito, irritou-se, e rotulou Marina de “evangélica que defende plebiscito para a legalização do aborto e da maconha”.

Ela retrucou em placidez contrastante. Citou uma fotografia estampada nos jornais, com Bolsonaro ensinando uma criança a simular com as mãos o gestual de atirador. E investiu, ferina: “A coisa que uma mãe mais quer é educar os filhos para que eles sejam homens de bem. Você é um deputado, pai de família. E você um dia desse pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como é que se faz para atirar. É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”

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Foram 105 segundos, o suficiente para deixar Bolsonaro exposto no aspecto mais frágil do seu desempenho nas pesquisas, a desconfiança das mulheres. Elas já inflavam as taxas de rejeição do candidato (34%), deixando-o no mesmo patamar do adversário preso em Curitiba (31%).

Lula não era e nem podia ser candidato, mas encontrara um jeito de se divertir no jogo eleitoral comandando à distância o PT no veto a Ciro Gomes, ocupado na autofagia da centro-esquerda.

No debate da Rede Bandeirantes, domingo passado, Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes pareciam congelados no tempo. Entretidos na disputa pessoal, praticamente deixaram de lado a discussão sobre o futuro do país, principalmente naquilo que é relevante para a vida da maioria do eleitorado (53%), composta por mulheres.

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Bolsonaro repetiu-se no protocolo de hostilizar o público feminino, da jornalista Vera Magalhães às adversárias Simone Tebet e Soraya Thronicke. Lula não conseguiu sequer esboçar uma ideia sobre a igualdade de gênero num eventual ministério: “Não sou de assumir compromisso.” Completou com uma pérola sobre a escolha de “pessoas que têm capacidade”.

Ciro Gomes escorregou e se perdeu na esgrima misógina com Bolsonaro, que ambos logo converteram em insultos. E o outro integrante do quarteto, Luiz Felipe D’Ávila, recitava propriedades miraculosas do elixir da privatização.

De cada 100 eleitores que vão às urnas em outubro 40 dependem da ajuda do governo para sobreviver. No mapa demográfico, isso corresponde a 40% da população. Na cabine de votação representa mais da metade (55%) do total de votos. E a maioria desses pobres é mulher, mãe, chefe de família, preocupada com a escassez de comida na mesa, a educação dos filhos e a saúde da família.

Simone Tebet e Soraya Thronicke não se resignaram. Entre suavidade e fúria, insistiram em lembrar aos quatro candidatos que está aí um novo mundo com pauta, voz e voto da maioria feminina.

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