Simone e Soraya acertaram na maior fragilidade de Lula, Bolsonaro e Ciro
Elas perceberam a dificuldade deles em fazer política num país onde a pauta, a voz e o voto da maioria feminina são cada vez mais decisivos
Duas mulheres foram a um debate político e deram um baile no quarteto masculino. Simone Tebet, candidata presidencial do MDB, e Soraya Thronicke, do União Brasil, começaram a semana com bons motivos para sorrir porque torpedearam os adversários no seu flanco mais frágil: são homens que só falam para homens, a fatia minoritária do eleitorado.
De maneira peculiar, Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Luiz Felipe D’Ávila (Novo), demonstram dificuldade em fazer política num país onde as mulheres são maioria entre eleitores — donas de 53% dos votos e, portanto, decisivas em qualquer disputa nas urnas. Aparentemente, eles ainda não entenderam que a discussão sobre a desigualdade de gênero está cristalizada na cena política nacional.
Está longe de ser novidade. No agosto de quatro anos atrás, Lula estava preso em Curitiba e pode assistir ao desempenho de Bolsonaro em debate com Marina Silva, candidata, da Rede Sustentabilidade.
Ele liderava as pesquisas de intenção de voto, nos cenários sem Lula do Datafolha e do Ibope (árvore da qual nasceu o atual Instituto Ipec). Fez, então, uma aposta dupla.
Uma no papel de porta-voz da massa de eleitores conservadores e evangélicos.
Outra, como o líder branco de uma imaginária maioria nacional ávida por um governo forte, comandado por um tipo de ex-militar com um plano para aquartelamento da sociedade no fundamentalismo bíblico, a partir da semeadura de armas nas ruas e da interdição do debate civilizatório no Congresso sobre temas como drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto, entre outros.
No debate, escolheu Marina Silva, sua antítese na disputa. Era a segunda colocada nas pesquisas, sem Lula. Mulher de aparência frágil, pele negra, evangélica como ele, notória defensora do desarmamento e, sobretudo, da imparcialidade do Estado em assuntos religiosos.
Provocou-a sobre a “liberação” da venda de armas como elixir para a insegurança pública, sua proposta de governo mais evidente. Marina respondeu-lhe com um óbvio, ululante, “não” às armas. E, então, o surpreendeu com severidade seringueira: “Bolsonaro, você acabou de dizer que a questão dos salários melhores para as mulheres é uma coisa que não precisa se preocupar porque já está na CLT. Só uma pessoa que não sabe o que significa uma mulher ganhar um salário menor que os homens e ter a mesma capacidade, a mesma competência e ser a primeira a ser demitida e a última a ser promovida. E quando vai na fila de emprego, só por ser mulher, não se aceita.”
Arrematou: “Essa é uma questão que você tem que se preocupar, sim, porque quando se é presidente da República tem que fazer cumprir o artigo 5º da Constituição, que diz que nenhuma mulher deve ser discriminada. E não fazer vista grossa, dizendo que não precisa se preocupar.”
Bolsonaro titubeou diante das câmeras. Negou ter dito, irritou-se, e rotulou Marina de “evangélica que defende plebiscito para a legalização do aborto e da maconha”.
Ela retrucou em placidez contrastante. Citou uma fotografia estampada nos jornais, com Bolsonaro ensinando uma criança a simular com as mãos o gestual de atirador. E investiu, ferina: “A coisa que uma mãe mais quer é educar os filhos para que eles sejam homens de bem. Você é um deputado, pai de família. E você um dia desse pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como é que se faz para atirar. É esse o ensinamento que você quer dar ao povo brasileiro?”
Foram 105 segundos, o suficiente para deixar Bolsonaro exposto no aspecto mais frágil do seu desempenho nas pesquisas, a desconfiança das mulheres. Elas já inflavam as taxas de rejeição do candidato (34%), deixando-o no mesmo patamar do adversário preso em Curitiba (31%).
Lula não era e nem podia ser candidato, mas encontrara um jeito de se divertir no jogo eleitoral comandando à distância o PT no veto a Ciro Gomes, ocupado na autofagia da centro-esquerda.
No debate da Rede Bandeirantes, domingo passado, Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes pareciam congelados no tempo. Entretidos na disputa pessoal, praticamente deixaram de lado a discussão sobre o futuro do país, principalmente naquilo que é relevante para a vida da maioria do eleitorado (53%), composta por mulheres.
Bolsonaro repetiu-se no protocolo de hostilizar o público feminino, da jornalista Vera Magalhães às adversárias Simone Tebet e Soraya Thronicke. Lula não conseguiu sequer esboçar uma ideia sobre a igualdade de gênero num eventual ministério: “Não sou de assumir compromisso.” Completou com uma pérola sobre a escolha de “pessoas que têm capacidade”.
Ciro Gomes escorregou e se perdeu na esgrima misógina com Bolsonaro, que ambos logo converteram em insultos. E o outro integrante do quarteto, Luiz Felipe D’Ávila, recitava propriedades miraculosas do elixir da privatização.
Simone Tebet e Soraya Thronicke não se resignaram. Entre suavidade e fúria, insistiram em lembrar aos quatro candidatos que está aí um novo mundo com pauta, voz e voto da maioria feminina.