Acender uma lâmpada no Brasil custa caro, a cada ano mais caro. Em dólares, sai por quase o dobro do preço pago nos Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, embora a renda dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.
Os brasileiros pagam uma das três tarifas residenciais mais altas do mundo, levando-se em conta a renda por habitante do ano passado, informam a Agência Internacional de Energia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A conta de luz no Brasil consome uma fatia (cerca de 20%) do orçamento das famílias muito maior do que ocorre no Chile ou na Turquia, países de médio desenvolvimento, constata a Abrace, organização de meia centena de indústrias brasileiras. Juntas, elas consomem mais energia elétrica do que a Colômbia ou o Peru.
Paga-se muito por um sistema de abastecimento inseguro, de qualidade e eficiência questionáveis. Caso exemplar é a debilidade operacional demonstrada pela Enel no apagão na cidade de São Paulo, depois de uma tempestade.
É notável que a empresa responsável pelo suprimento de energia ao epicentro da economia nacional preste serviços de 19ª categoria na classificação de mérito de 29 distribuidoras feita pela Aneel, agência estatal encarregada da fiscalização do setor. No Rio e no Ceará, a Enel qualifica-se na 23ª e 25ª posições.
O conglomerado italiano possui 11 milhões de clientes brasileiros. Deixou Goiás depois de confrontos com o governo estadual, que pedia à agência reguladora para cassar sua concessão por má qualidade do serviço — o grupo contestou, argumentando ter reduzido em 69% as interrupções de energia em sete anos de serviços. Em dezembro, vendeu o negócio à espanhola Equatorial. Horas antes do apagão em São Paulo, um executivo da Equatorial apresentara na Assembleia Legislativa goiana a síntese do legado na operação e na manutenção do sistema estadual: são 360 subestações em 237 municípios, possuem 529 transformadores dos quais 212 estão “sucateados”, descreveu Lener Jayme.
“Paga-se caro e 40% da conta nem é energia, mas fatura política”
Paga-se caro por serviços deficientes e com insegurança crescente. Governo, Congresso e partidos políticos, no entanto, preferem concentrar atenção na mitologia estatização x privatização. É conveniente à luta política, onde uns abstraem os apagões nos anos 1990 e 2000, quando o sistema elétrico era estatal, e outros driblam o aumento da frequência na última década de privatizações. Na média, houve um blecaute a cada dois anos e meio — dois nos últimos 70 dias.
Esse embate é útil apenas para dissimular deficiências do governo na política e na fiscalização setorial e, também, para ocultar interesses privados de quem tem poder e influência nos gabinetes do Palácio do Planalto e do Congresso.
Quatro de cada 10 reais pagos na conta de luz nem é energia. Ou seja, não têm ligação direta com geração, transmissão e distribuição de eletricidade. Correspondem a tributos e, principalmente, à míriade de penduricalhos encobertos na fatura. Por eles, os brasileiros estão pagando neste ano nada menos que 119 bilhões de reais — oito vezes mais que o orçamento do programa habitacional para a população pobre (Minha Casa, Minha Vida), agora com captação solar. É a consequência prática de políticas públicas obscuras, incoerentes, de custo alto e efeitos perversos, entre eles, a corrosão do orçamento das famílias pobres.
Com a conta de luz criam-se orçamentos paralelos. Jair Bolsonaro, por exemplo, está na redes sociais criticando Lula por algo que ele ajudou a instituir: a possibilidade de uso político do caixa de Itaipu.
Meio século depois de construída, Itaipu liquidou suas dívidas e, desde fevereiro, tem sobra de caixa projetada ao redor de 2,5 bilhões de reais por ano. A empresa binacional decidiu usar esse dinheiro numa expansão geopolítica do lado brasileiro.
Antes, influenciava a vida e os negócios em 15 municípios do Paraná e um do Mato Grosso. Na semana passada, ampliou seu “auxílio” para 430 cidades nos dois estados. A estatal vai dar dinheiro diretamente às prefeituras para a construção de pontes, rodovias, aeroportos e projetos sociais nos próximos três anos. Tudo fora dos orçamentos federal e estaduais, sem exposição à luz dos organismos de controle.
Isso, naturalmente, dá margem a interpretações sobre uso político do caixa de Itaipu numa área onde vivem 11 milhões de eleitores, em período marcado pela disputa por prefeituras, no ano que vem, e pela disputa presidencial, em 2026. É a mais nova despesa de “geração de energia” escondida na caríssima conta de luz paga por todos os brasileiros.
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Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867