
Ele desce a escada do avião sorrindo para a mulher ansiosa na pista do aeroporto de Nova York. Ela o abraça apertado, oferece uma rosa branca e recebe um beijo cinematográfico diante da câmera. Ao fundo, vê-se na carcaça cinza do jato um pedaço da identidade pintada em grandes letras pretas: “Força Aérea”.
No ensolarado domingo seguinte, o casal aparece correndo numa avenida de Brasília. Veste reluzentes camisetas vermelhas — a cor do partido, por coincidência. Arrasta um cortejo de meia centena de ministros e assessores: Fazenda, Educação, Saúde, Relações Institucionais, Minas e Energia, entre outros, cumprem coreografia de atletas do asfalto, harmonizados em azul e branco, com o logotipo colorido do governo estampado no peito.
As cenas seguem a lógica de uma prospecção de marketing eleitoral. Lula exala desejo pela disputa do quarto mandato, mas tenta dissimular por razões objetivas. Uma delas é o estado de saúde aos 80 anos de idade, que ele vai completar em três semanas. Outra é o risco de acirrar a oposição, dividir aliados e obstruir o próprio governo, minoritário no Congresso, se anunciar candidatura um ano antes da eleição.
Há mais entusiasmo no governo e no Partido dos Trabalhadores com “Lula 2026” nesta primavera do que havia no outono. Cinco meses atrás sobravam dúvidas sobre a candidatura à reeleição, amparadas na fadiga dos eleitores nas pesquisas, em que a maioria: o rejeitava (43%) em proporção similar ao adversário Jair Bolsonaro; o criticava (61%) por ter perdido a bússola e estar em “desconexão com o povo”; e indicava (65%) decepção por ele não entregar aquilo que havia prometido na campanha de 2022 — comida barata, por exemplo.
O jogo mudou por causa das sandices dos adversários. Na lista de disparates políticos se destacam os ataques de Donald Trump à economia brasileira na tentativa de impedir o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Goste ou não, Lula tem uma dívida pessoal e impagável com Trump, Bolsonaro & filhos. Deveria mandar-lhes flores com um cartão: “Eterna gratidão”. Nunca antes na história do lulismo tão poucos fizeram tanto pela reeleição dele.
“Tarcísio e líderes da direita se veem como reféns eleitorais de Jair Bolsonaro”
As críticas se repetem nas pesquisas. Eleitores seguem à procura de alternativas, mas um terço se declara disposto a carregar Lula outra vez, como aconteceu nas seis eleições que disputou — venceu três.
A novidade está na mudança da brisa das estações um ano antes da eleição presidencial. No último outono o governo se agoniava com o aumento contínuo da desaprovação. Nesta primavera é a oposição que precisa conseguir mobilizar a rejeição a Lula, ainda pouco maior que a aprovação, para resgatá-la como intenção de voto em 2026.
Parecia impossível, mas o clã Bolsonaro conseguiu estilhaçar a coalizão de forças da direita. Ironia da história: fez isso com o apoio de Trump, a referência contemporânea da ultradireita. Os partidos que em 2018 se uniram no antipetismo agora enfrentam uma crise de identidade derivada da aliança com o grupo extremista abrigado no Partido Liberal, cujo funcionamento há três anos tem sido semelhante ao de uma central de organização do golpe de Estado.
O problema da direita verde-amarela é a autodependência infligida do grupo de novos ativistas políticos conhecido genericamente como “bolsonarismo”. O comportamento hesitante do governador paulista Tarcísio de Freitas sobre eventual candidatura presidencial reflete a confusão e insegurança em torno da identidade e dos valores das forças políticas que se apresentam como alternativa de poder, em contraste com a aliança eleitoral gerenciada há 36 anos por Lula e o PT.
À margem das questões pessoais, como a lealdade de caserna, Tarcísio se vê como refém eleitoral do clã Bolsonaro. Não é caso isolado, como demonstram alguns líderes de partidos como Progressistas, União Brasil, MDB e PSD. Perderam a noção da própria dimensão e, num equívoco, estão atribuindo à ala bolsonarista um peso desproporcional no mosaico da direita — talvez, seja coerência apenas com a capacidade de fazer barulho nas redes.
O bolsonarismo é mera fração (entre 11% e 15%) da direita verde-amarela, mostram as pesquisas mais recentes da Quaest, Ideia e MDA, entre outras. Elas desenham a eleição de 2026 com tendência ao centro, porque os eleitores, aparentemente, se cansaram do radicalismo.
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Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964