Polícia violenta, governo fracassado
Mais temida do que confiável para a sociedade, a polícia reflete um problema de corrosão da legitimidade institucional, consequência da omissão política

Banhos de sangue em ações policiais são parte da paisagem das maiores cidades brasileiras.
Políticos tendem a justificá-los, como fizeram nesta semana o governador do Rio, Claudio Castro (PSC-RJ), e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB-RJ), em declarações sobre a mais nova matança carioca, com pelo menos 28 pessoas mortas — entre eles, um policial.
Para Castro, que inaugurou o seu governo com um morticínio na favela do Jacarezinho, tudo não passou de uma operação policial resolvida “na técnica”.
Para Mourão, era “tudo bandido” mesmo. Do seu confortável gabinete em Brasília, o vice-presidente fez uma previsão: “É um problema sério do Rio de Janeiro, que nós vamos ter que resolver um dia ou outro.”

Mourão e o governador Castro deveriam conversar mais com o ministro da Defesa, Walter Braga Neto. Ele esteve na função de interventor na segurança pública do Rio em 2018, no governo Michel Temer.
Braga Neto prometeu e tentou. Depois de onze meses, proclamou vitória, entrou num avião e aterrissou na chefia do Estado-Maior do Exército, em Brasília. Dali saiu para comandar a Casa Civil e, agora, a Defesa de Jair Bolsonaro.
As efusões de sangue prosseguem. Atestam o fiasco de sucessivos governos, militares e civis, em conduzir o Estado na sua função mais elementar, a da garantia da vida em sociedade, sob a lei e com segurança. Espasmos retóricos como os de Mourão e Castro apenas indicam negação do próprio fracasso.
O que está aí ultrapassa os já rotineiros banhos de sangue. É um problema de corrosão da legitimidade institucional, consequência de longa e perigosa omissão política.

Símbolo da “autoridade” do Estado, a polícia é mais temida do que confiável para a sociedade, informam inúmeras pesquisas, como a de junho passado feita pela Central Única de Favelas (Cufa) e Instituto Locomotiva. Não falta dinheiro dos contribuintes, falta ação política efetiva.
Na percepção coletiva, o problema policial resume a ruína governamental na garantia da segurança pública — o que inclui a dos próprios policiais em casa ou no trabalho.
Espelha, também, a inoperância de um sistema de justiça que mantém mais de 300 mil “presos provisórios”, gente suficiente para encher quase cinco Maracanãs nos tempos pré-pandemia. São pessoas que cumprem pena mesmo sem condenação, forçadas a viver dentro das 2,6 mil cadeias espalhadas pelo país. Representam cerca de 40% dos encarcerados, parte trancada há pelo menos quatro anos.
Renovadas efusões de sangue atestam falta de coragem no Executivo, no Legislativo e no Judiciário para conduzir mudanças estruturais nas polícias e no sistema judicial, periodicamente debatidas no Congresso e prometidas por candidatos à presidência e aos governos estaduais. Evidenciam degradação da confiança social nas instituições e nos governos. Para muitos, essa é uma característica de Estados falidos.