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O tempo e o ego

Lula tem 34 meses de mandato, o suficiente para as mudanças que promete há vinte anos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h23 - Publicado em 8 mar 2024, 06h00

Lula, na terça-feira 5, na semana passada: “Essa é a primeira reunião em que a gente está assumindo publicamente o compromisso de que, ao terminar o meu mandato, no dia 31 de dezembro (de 2026), a gente não vai ter mais ninguém passando fome por falta de comida neste país. Esse é um compromisso que nós temos que cumprir. Daqui pra frente é muito trabalho e pouca conversa…”.

Lula, no domingo 26 de janeiro de 2003: “A face mais visível das disparidades são os mais de 45 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. O seu lado mais dramático é a fome, que atinge dezenas de milhões de irmãos e irmãs brasileiras. Por essa razão, fizemos do combate à fome nossa prioridade. Não me cansarei de repetir o compromisso de assegurar que os brasileiros possam, todo dia, tomar café, almoçar e jantar…”

Passaram-se vinte anos entre esses dois verões, metade deles com Lula no governo. Ele continua a surfar na ambiguidade sobre cumprir ou não o velho “compromisso” antes ou depois da próxima eleição, em 2026: “Eu falei (em) quando terminar o meu mandato, mas me deram tanto livro para ler (sobre a fome) que eu não sei se termina em um mandato só”. É a forma de lembrar seu direito de disputar a reeleição — que na campanha prometeu acabar, mas esqueceu ao subir a rampa do Palácio do Planalto, como fez o adversário Jair Bolsonaro, agora inelegível.

Se até lá nada mudar, o Brasil estará bem próximo de completar meio século estagnado no baixo crescimento, situação inédita na história da República. O resultado econômico do ano passado (aumento de 2,9% no PIB) confirma o ritmo insuficiente de desenvolvimento (média de 2,4% nos últimos vinte anos) para mudar as condições básicas de vida na sociedade de 203 milhões.

O país já percorreu quase um quarto do século XXI sustentando, segundo a ONU, um nível de concentração de renda pouco melhor que o do Zimbábue, pedaço do sul da África onde sete em cada dez pessoas sobrevivem com menos de 800 reais por mês. Pelas lentes privadas, como as do banco suíço UBS, em 2023 manteve-se na liderança global de iniquidade social.

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“Lula tem 34 meses de mandato, o suficiente para as mudanças que promete há vinte anos”

Há gerações de brasileiros com ambições frustradas nesse longo ciclo de esquálido desenvolvimento com robusta desigualdade social. Mais de 100 milhões — metade da população — vivem com renda média quarenta vezes menor que a dos 2 milhões de brasileiros mais ricos. Nesse grupo se destaca a multidão de prisioneiros da insegurança alimentar que há três governos Lula promete resgatar. Desta vez, anuncia, com “muito trabalho e pouca conversa”.

Restam-lhe 34 meses no Planalto. Talvez seja pouco para governantes que só pensam na reeleição desde o primeiro dia do mandato. Mas pode ser tempo suficiente para mudanças relevantes quando no governo se percebe a diferença entre o futuro e o dia seguinte. Na política, como na física, o tempo é relativo.

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Uma decisão de Franklin Delano Roosevelt, na Casa Branca, mudou o rumo da História. Passaram-se trinta meses entre a segunda-feira 16 de novembro de 1942, quando o físico Robert Oppenheimer escolheu o lugar para o seu laboratório em Los Alamos, no Novo México (EUA), e o lançamento da bomba atômica nas cidade japonesa de Hiroshima, na segunda-feira 6 de agosto de 1945. Lula nasceu onze semanas depois desse ataque.

Era um garoto de 11 anos na Vila Carioca, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, quando Juscelino Kubitschek assumiu o governo e tomou uma decisão que mudou o Brasil. No dia seguinte à posse, quinta-feira 2 de fevereiro de 1956, ele reuniu o ministério no Palácio do Catete, no Rio, para o economista Roberto Campos mostrar o Plano de Metas, versão renovada da inovadora e bem-sucedida tática de governar de Getúlio Vargas. Campos contou ao historiador Ronaldo Costa Couto que, ao encerrar a apresentação, Juscelino pediu-lhe a inclusão de uma “meta-síntese”, que harmonizaria todas as demais com objetivo central do novo governo: a construção de Brasília, inaugurada cinquenta meses depois, à meia-noite da quinta-feira 21 de abril de 1960.

Aos 78 anos de idade, Lula governa pela terceira vez um país com os mesmos problemas estruturais de renda, educação, saúde e segurança — inclusive alimentar — que existiam quando chegou ao Planalto duas décadas atrás. Ainda tem tempo para fazer as mudanças que julga necessárias, até agora adiadas. As pesquisas dos últimos meses sugerem que, aos olhos dos eleitores, talvez precise encolher o ego para abrir mais espaço ao Brasil na cadeira de presidente da República.

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883

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