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Lula desprezou avisos, agora tenta conter os danos da crise na Abin

Abin é órgão da Presidência e espionagem ilegal é curto-circuito direto no gabinete presidencial. Os riscos se multiplicam em pleno confronto com a PF

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 16h28 - Publicado em 31 jan 2024, 08h00

Lula desprezou avisos e, agora, corre para tentar conter os danos na crise da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ela foi deflagrada pelas investigações da Polícia Federal sobre o uso da agência em espionagem política — ilegal e com beneficiários privados — durante o governo de Jair Bolsonaro, o seu adversário predileto.

A Abin é órgão da administração direta integrante da Presidência da República. Espionagem ilegal nessa agência é curto-circuito político direto no gabinete presidencial. Os riscos de danos ao governo se multiplicam em pleno confronto com a Polícia Federal.

Lula sabe, porque já enfrentou uma crise semelhante no segundo governo. Alguns dos principais agentes que protagonizaram o escândalo de espionagem de década e meia atrás são os mesmo que atualmente estão sob investigação.

Bolsonaro e filhos parlamentares estão no alvo do processo judicial, mas os efeitos colaterais são os de uma crise latente no governo, visível no confronto entre a Abin e a Polícia Federal.

Sob Lula, a cúpula da agência está sendo acusada de obstrução de justiça. Teria interferido nas investigações policiais, supervisionadas pela Procuradoria-Geral da República e determinadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Ele entregou a Abin ao delegado federal aposentado Luiz Fernando Corrêa, a quem é grato pelo interesse demonstrado na proteção de seus familiares em momentos críticos no segundo governo. Corrêa ganhou fama na PF como líder da equipe responsável pela adaptação do sistema de espionagem conhecido como Guardião, muito difundido nos órgãos de segurança federais e estaduais.

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Lula diz ter “muita confiança” nele, mas nos últimos quatro meses mandou Corrêa demitir vários auxiliares. Na terça-feira (30/1) eliminou o delegado federal Alessandro Moretti, diretor-adjunto de Corrêa na agência.

A crise entre Abin e Polícia Federal avança no ritmo das investigações sobre a extensão da espionagem ilegal e os beneficiários no governo Bolsonaro. As sequelas dessa disputa no governo Lula começaram a ficar expostas.

Não foi por falta de aviso. Um deles foi dado no Senado, na quinta-feira 4 de maio do ano passado. A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional estava reunida para aprovar a indicação do novo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência.

O delegado aposentado da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa já dirigia a Abin há mais de dois meses, mas senadores relutavam em aprová-lo. Lula insistiu. Numa viagem a Lisboa encontrou o presidente da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e apelou pela homologação.

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Calheiros convocou a reunião com Corrêa. Sessão aberta, foi direto:

— O senhor está ciente de que o diretor-adjunto da Abin, Alessandro Moretti, era diretor da Inteligência da Polícia Federal até janeiro deste ano, mês dos ataques terroristas?

O delegado manteve-se impassível.

— O senhor acha que esse servidor está qualificado para exercer o cargo para o qual foi nomeado e já exerce? — prosseguiu o senador. — Há alguma apuração, no âmbito da Abin com relação a ele, em função desses fatos? O senhor está ciente de que o servidor foi secretário-executivo do senhor Anderson Torres, preso por envolvimento na conspiração do dia 8? O senhor acha que o servidor é o mais adequado para exercer esse cargo?

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Calheiros não se importou com a agitação na plateia. Acrescentou, incisivo: — O senhor está ciente de que o senhor Paulo Maurício Fortunato, nomeado para a Secretaria de Planejamento e Gestão da Abin, é suspeito de tramas para grampear ilegalmente o ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal?

O juiz Gilmar Mendes havia presidido o STF entre abril de 2008 e março de 2010. Nesse ocaso do segundo governo Lula, foi alvo de espionagem ilegal da Abin em parceria com a Polícia Federal, porque libertara da prisão o banqueiro Daniel Dantas, dando-lhe permissão de acesso aos processos em que figurava como acusado.

Evidências dessa ação clandestina contra Mendes foram expostas na época pelos repórteres Policarpo Junior e Expedito Filho, de VEJA. O delegado federal Paulo Lacerda dirigia a Abin, e a PF estava sob comando de Luiz Fernando Corrêa, que alegou nada saber. Lula demitiu Lacerda da agência e, em seguida, mandou-o para Lisboa como adido policial.

Na comissão do Senado, em maio passado, Corrêa fez uma enfática defesa dos seus subordinados Alexandre Moretti e Paulo Maurício Fortunato Pinto:

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— Em relação a qualquer um dos dois, eu não tenho, e falo isso com toda a certeza porque, gozando da confiança do presidente, eu jamais correria um risco de expor qualquer governo a uma situação no mínimo constrangedora.

Completou: — Eu expliquei ao presidente… E há um princípio de transferência de confiança. Aqui eu quero me comprometer, também, com o Parlamento!

Dezesseis semanas depois da sessão no Senado, Lula e Corrêa começaram a assistir ao replay de uma situação que haviam compartilhado década e meia atrás.

Em outubro, viram-se na obrigação de demitir Paulo Maurício Fortunato Pinto, antigo oficial de Inteligência, escolhido por Corrêa para o terceiro posto na hierarquia da Abin.

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Ele se tornou suspeito de atuar em ações de espionagem ilegal contra parlamentares e juízes do STF que o governo Jair Bolsonaro listava como inimigos políticos. Foram ao menos 36 meses de “ações clandestinas”, segundo despacho do juiz Alexandre de Moraes, do STF.

O Supremo, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal deixam claro em documentos que havia uma “estrutura paralela instalada na Abin” para execução de “tarefas clandestinas”. A agência, porém, não era a única envolvida com operações ilícitas de espionagem política no governo Bolsonaro.

A polícia antecipou ao juiz Alexandre de Moraes, do STF, perspectivas de identificação “de ainda mais núcleos de atuação”, com participação de “outros agentes ainda não identificados”, nas “ramificações ainda não totalmente identificadas” em órgãos governamentais.

Lula sabia do caso da espionagem em 2008 e soube do atual, o da “Abin paralela”. Sobraram avisos sobre o potencial de confusão política, como o do senador Renan Calheiros. Agora, resta-lhe correr para tentar conter os danos ao próprio governo.

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