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Forças ambíguas

Chefes militares ajudam Bolsonaro no descrédito do processo eleitoral

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h27 - Publicado em 15 jul 2022, 06h00

Clonaram o cartão de crédito de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, 63 anos, general aposentado. Aconteceu no mês passado, aparentemente em Brasília. Desde então, o ministro da Defesa realça a própria insegurança no mundo digital na lista de argumentos favoráveis à intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral.

“Sabemos muito bem que não há sistema, programa eletrônico imune a um ataque, a uma invasão, não há” — disse na Câmara, ecoando seu chefe, Jair Bolsonaro, que semeia suspeitas de fraudes nas urnas eletrônicas sem apresentar provas. “Estão aí os bancos que gastam milhões de reais com segurança, e eu tive o meu cartão clonado”, exemplificou.

Ele foi à Câmara com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica pedir uma injeção de dinheiro nos orçamentos militares para 2023. Mas, curiosamente, o ministro da Defesa falou mais de eleições e de urnas eletrônicas do que das prioridades das Forças Armadas. Enlevado, até se ofereceu para “tratar só disso”.

“Não, ministro!” — rejeitou com firmeza a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), ex-secretária da Defesa. “Eu me recuso a debater este assunto com o ministro da Defesa e com qualquer um dos comandantes, porque esta não é a tarefa dos senhores. A tarefa dos senhores é muito maior, é a proteção da nação. O inimigo não são as instituições, não somos nós. Não é uma batalha das Forças Armadas. O presidente fez essa escolha, mas as Forças Armadas não precisam nem podem fazê-la, porque o poder civil não pode aceitar isso.”

O Ministério da Defesa tem a incumbência de zelar pela doutrina e gerenciar os projetos militares, que custam ao país mais de 110 bilhões de reais por ano — quase o triplo dos auxílios financeiros previstos na emergência eleitoral governista.

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Desde o ano passado, no entanto, dedica-se ao uso da força da ambiguidade das Armas para dar ressonância às ameaças e provocações do presidente-candidato à reeleição. Essa mudança aconteceu, por coincidência, quando Bolsonaro perdeu a dianteira nas pesquisas para Lula. Foi impulsionada pelo então ministro Walter Braga Netto, general aposentado e provável candidato à vice-­Presidência de Bolsonaro. Oliveira, seu sucessor, tem se esmerado na missão herdada.

“Chefes militares ajudam Bolsonaro no descrédito do processo eleitoral”

É tentativa mambembe de resgatar o protagonismo dos chefes militares na política, atribuindo às Forças Armadas o papel de “moderadoras” dos conflitos institucionais, anomalia no memorial republicano e sepultada na Constituição de 1988.

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Não existe no texto constitucional nem nas leis sobre a doutrina, a estratégia, a política e a conduta profissional dos militares nada que justifique a intervenção do Ministério da Defesa e das Forças Armadas no processo eleitoral, sob qualquer alegação.

Depois de um ano de ofensiva constante contra o sistema de votação, a pretexto de “aperfeiçoar a segurança e a transparência”, a contribuição mais objetiva alcançada está na corrosão institucional.

Deliberadamente ou não, os chefes militares cooperam no jogo de contrainformação política do candidato à reeleição. Ajudam a legitimar sua campanha de descrédito na integridade do Judiciário e nas urnas eletrônicas, pelas quais ele se elege há um quarto de século — sem contestação.

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Episódio exemplar foi a participação da Defesa na coreografia do fumacê de carros de combate da Marinha na Praça dos Três Poderes, no ano passado. Foi como se as Forças Armadas transmitissem à sociedade, por sinais de fumaça, mensagem ambígua de aval aos interesses do candidato que evangelizava sobre o regresso à era do voto impresso.

Deu errado. E a melhor tradução desse autoengano no “teatro de operações” da Praça dos Três Poderes, talvez, tenha sido do jornal britânico The Guardian ao definir a cena como um “desfile militar da ‘república de bananas’ de Bolsonaro”.

O incômodo de Bolsonaro, assim como o de Donald Trump nos EUA, de Nicolás Maduro na Venezuela, de Viktor Orbán na Hungria e de Daniel Ortega na Nicarágua, entre outros, é a inviabilidade de concentração de poder no regime democrático, e não a forma de eleição.

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Reduto histórico do pensamento conservador, as Forças Armadas passam a impressão de que foram capturadas pela extrema direita bolsonarista. Oficiais militares da ativa se expõem, sob a regência de superiores aposentados, na ambivalência de manobras no “front” político-eleitoral, como delegados do chefe do governo em batalha pela reeleição. Correm o risco de acabar confundidos como seus prisioneiros.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798

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