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Flerte perigoso

Anistia é distração: país já fez oitenta leis e os conflitos continuam aí

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 Maio 2025, 11h11 - Publicado em 2 Maio 2025, 06h00

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, resolveram estimular o debate sobre a redução das penas aplicáveis aos condenados por tentativa de golpe de Estado. Eles têm o discreto aval de Lula e de alguns juízes do Supremo Tribunal Federal. É um novo flerte com a desbotada solução da anistia. O perdão para crimes políticos, como tentativa de golpe de Estado, tem sido constante na história brasileira nos últimos dois séculos.

Os jornalistas Ricardo Westin e Cintia Sasse, com cinco pesquisadores, vasculharam os arquivos do Senado e encontraram oitenta decretos ou leis de anistia editados entre o Império e a República. Começou com uma assinatura de Pedro I dias depois da Independência. Ele perdoou todos os acusados de criticar a separação de Portugal, o novo regime e, também, o imperador. Detalhe relevante: essa anistia ficou circunscrita aos casos em que o processo judicial ainda não tivesse começado.

Passaram-se 203 anos. Agora no Congresso legitima-se o debate sobre nova anistia. A proposta original nasceu durante a conspiração do final de 2022 para impedir a posse de Lula. Naquela quinta, 24 de novembro, em Brasília, militares e civis aliados de Jair Bolsonaro se dividiam em grupos de tarefas. Ao ex-líder do governo, deputado Vitor Hugo, coube protocolar na Câmara um projeto de lei para anistia ampla, geral e irrestrita aos envolvidos em crimes políticos, entre eles tentativa de golpe de Estado. Quarenta e cinco dias depois, no domingo 8 de janeiro de 2023, foram invadidas e depredadas as sedes do governo, do Judiciário e do Congresso em Brasília.

Frustrou-se a conspiração para mudar o regime, e o país avança no ciclo democrático mais estável da sua breve história republicana. Não é pouco, considerando-se que nas últimas quatro décadas o ambiente político foi convulsionado pela deposição por impeachment de um par de presidentes eleitos (Fernando Collor e Dilma Rousseff) e pela prisão de três (Lula, Michel Temer e Collor). Um ex-­presidente (Collor) está na cadeia agora por corrupção (veja a reportagem na pág. 36), enquanto outro (Bolsonaro) aguarda julgamento por tentativa de golpe de Estado.

A recorrência à anistia pode acomodar no curto prazo uma parte dos conflitos de interesses da elite governante, mas a experiência de oito dezenas de leis em dois séculos — sessenta durante a República — mostra que persiste um fator de instabilidade.

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“Anistia é distração: país já fez oitenta leis e os conflitos continuam aí”

O ex-presidente José Sarney tem apontado o dedo para o Congresso: ao modificar normas e métodos de legislar, tornou mais fácil e rápido mudar o texto constitucional do que aprovar um projeto de lei. Desde 1988 já foram aprovadas 135 mudanças na Carta e, pelas contas dele, ainda há mais duas centenas de emendas previstas no próprio texto constitucional.

Fica pior, porque se abriu a possibilidade para quase uma centena de entidades, entre elas os partidos políticos, baterem à porta do Supremo por divergência sobre a constitucionalidade de uma lei ou norma administrativa.

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Hugo Motta, presidente da Câmara, culpa o Judiciário. Acha que está “se metendo em tudo” e prejudica a “segurança jurídica” no capitalismo brasileiro: “A interferência, muitas vezes de forma reiterada, do Judiciário atrapalha. O Judiciário está se metendo em praticamente tudo, e isso não é bom para o país. Acaba que não tem uma regra, e você não sabe como vai estabelecer o seu investimento”, disse a uma plateia de empresários na semana passada.

Tem razão em parte, mas o debate sobre o ativismo ou protagonismo do Judiciário não é peculiaridade brasileira. Mas há, sim, um componente verde-amarelo que induz a uma avassaladora judicialização da política ou partidarização da Justiça.

Ocorre, por exemplo, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara presidida por Motta simplesmente resolve ignorar a Constituição e, em desafio aberto ao Judiciário, ensaia conceder imunidade a um parlamentar acusado de crimes cometidos antes de se eleger deputado.

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Acontece, também, quando os partidos derrotados em votações no plenário pedem intervenção judicial para resolver aquilo que não foram capazes de solucionar no Congresso. É essa a motivação de dois terços das ações partidárias sobre a inconstitucionalidade de leis apresentadas ao STF.

A anistia é mera distração num cenário onde predomina a falta de vontade para resolver impasses políticos dessa complexidade. O encontro com a realidade é inevitável. Numa perspectiva otimista, talvez seja possível depois da eleição de 2026.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942

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