Empresas veem risco de desabastecimento de combustíveis
Perdido na discussão sobre preços da gasolina, do diesel e do gás, governo pode acabar surpreendido pelo desabastecimento nos próximos dias
Preocupado com o caixa para o próximo ano eleitoral, o governo se meteu numa discussão sem fim sobre subsídios aos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. E pode acabar surpreendido pelo desabastecimento de derivados de petróleo em algumas regiões, já nos próximos dias.
A Petrobras está fazendo “cortes unilaterais” nos pedidos das distribuidoras regionais para fornecimento de derivados de petróleo durante o mês de novembro. A informação foi apresentada à Agência Nacional de Petróleo, nesta semana, por sindicatos que reúnem 43 empresas donas de redes de distribuição de combustíveis em quase todos os Estados.
“As reduções promovidas pela Petrobras, em alguns casos chegando a mais de 50% do volume solicitado para compra, colocam o país em situação de potencial desabastecimento” — diz a federação empresarial em nota pública.
Não há alternativa de suprimento de gasolina e diesel, acrescenta. Importações se tornaram inviáveis por causa da “diferença atual” entre preços domésticos e externos. No mercado internacional os preços “estão em patamares bem superiores aos praticados no Brasil.” A defasagem na gasolina seria de 14% e no diesel de 18%.
A ANP, agência reguladora do setor, não vê risco de desabastecimento, mas avisou que vai analisar os cortes. A Petrobras alega estar cumprindo os seus contratos, mas sabe-se que os cortes para novembro são reais e atingem as encomendas extras das distribuidoras regionais.
A confusão entre Petrobras e varejistas é nova evidência de que o país enfrenta problemas no abastecimento de combustíveis muito além daqueles que o governo escolheu como prioritários.
Jair Bolsonaro resolveu culpar governadores pelo altos preços domésticos da gasolina, do diesel e do gás de cozinha.
Arthur Lira, presidente da Câmara, achou boa ideia tentar cortar os preços dos derivados por decisão legislativa.
Lira começou pressionando a diretoria da Petrobras no plenário da Câmara, há quinze dias. Não conseguiu. Nesta semana, escolheu a rota mais curta: aprovou um projeto para reduzir o imposto estadual (ICMS) sobre combustíveis.
Poderia ter feito o mesmo com alimentos, vestuário, calçados e internet — itens básicos na vida dos eleitores e, como os derivados de petróleo, integrantes da cesta “Bolsocaro”.
Lira cchou politicamente mais palatável tomar cerca de R$ 32 bilhões dos Estados, valor que, em tese, seria suficiente para subsidiar os preços dos combustíveis durante a próxima temporada eleitoral. Os governadores, claro, reclamaram. Agora, o Senado promete trancar na gaveta a iniciativa da Câmara.
No meio do caminho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, resgatou sua antiga ideia de privatizar a Petrobras. Lira topou.
Bolsonaro também aderiu em notável mudança de convicções. Era deputado, em 1999, quando sugeriu fuzilar o então presidente Fernando Henrique Cardoso que anunciara a venda da Vale e da Telebrás. A Vale foi repassada ao setor privado. A Telebrás figura no programa de privatizações de Bolsonaro, e segue intocável.
Liquidar o controle estatal na Petrobras, no entanto, é operação política muito mais complexa. E exige tempo, mercadoria escassa no governo e nos planos orçamentários do Centrão, liderado por Lira.
Nesta semana começou-se a desenhar a venda de lotes de ações da companhia de petróleo para subsidiar o gás de cozinha das famílias pobres. Seria uma queima patrimonial para reedição do antigo vale-gás, incorporado ao Bolsa Família no governo Lula.
O problema central continua na mesa. O país do pré-sal empobrece em dólar — referência do petróleo —, e até agora não se preocupou em definir com clareza uma política para os derivados de petróleo.
A Petrobras continua segurando preços no mercado interno, atualmente defasados em até 18% na comparação com os preços internacionais, e mesmo assim seus preços domésticos estão em níveis incompatíveis com o poder de compra dos brasileiros.
Ela decidiu vender suas refinarias. As duas principais (a de Pernambuco e o Comperj) permanecem encalhadas, sem interessados. Simbolizam uma etapa de má gerência e de rapinagem, como revelou a Lava Jato. Outras estão sendo vendidas.
Em breve haverá um importante mercado privado de refino de petróleo, mas sem normas reguladoras. Isso porque governo e Congresso, hoje, estão preocupados somente com os subsídios estatais aos preços dos combustíveis durante a temporada eleitoral. Nessa travessia podem ocorrer problemas no abastecimento.