‘El Loco’ Milei mandou ministro avisar os argentinos: “Vai piorar”
Ele ainda não deu pistas da resposta à mais relevante de todas as questões sobre qualquer projeto de estabilização econômica: Quem paga a conta?
“Vai piorar”, avisou o ministro da Economia. Acrescentou: “Por uns meses.” E anunciou que, a partir desta quarta-feira (13/12), o poder de compra do peso — a já combalida moeda nacional— será reduzido à metade em relação ao dólar.
Os argentinos começam a entender como vai ser a vida sob o governo Javier Milei. Ao elege-lo deixaram claro que não tinham razões para otimismo: escolheram “El Loco”, como é conhecido, para derrubar a “ordem” peronista predominante nas últimas duas décadas, que levou o país a um processo de degradação social sem precedentes.
Pela primeira vez na história, os níveis de pobreza na Argentina estão maiores do que os do Brasil. A pobreza na Argentina já atinge mais de 40% da população e o nível de pobreza absoluta está acima dos 10%. No Brasil, a pobreza total atinge cerca de 30% da população e a pobreza absoluta está em torno de 8%.
“El Loco” Milei assumiu no domingo e, 48 horas depois, apresentou um rascunho de projeto de governo que começa pelo inferno econômico: a maior desvalorização da moeda em 35 anos, aumento de carga tributária para as empresas — que devem repassá-lo aos consumidores —, e uma recessão contratada para 2024 na proporção de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) com inevitável aumento do desemprego. Na campanha, já havia indicado a intenção de seguir por essa trilha.
Luis Caputo, ministro da Economia, foi absolutamente franco ao anunciar o pacote: “Durante uns meses ficaremos pior do que antes, particularmente na inflação.” Hoje, ela beira 200% na conta oficial e chega a 400% no caixa do supermercado — as remarcações de preços foram de 50%, na média, nos primeiros dez dias de dezembro.
O governo anterior, dos peronistas Alberto Fernández e Cristina Kirchner, financiou seus gastos com aumentos sucessivos de emissão de moeda. Imprimiu dinheiro na proporção de 20% do PIB.
A conta chegou para os argentinos. “É estarrecedor”, definiu um dos políticos mais ortodoxos, Ricardo López Murphy, que foi ministro da Fazenda no governo Fernando de La Rúa, em 2001. Murphy ficou apenas 16 dias, demitiu-se alegando resistência do presidente em cortar gastos sociais. De La Rúa acabou deposto por causa dos protestos contra a inflação. Nos dez dias seguintes, a Argentina teve cinco presidentes.
É previsível alguma “convulsão” social e até “violência”, acha o ex-presidente Mauricio Macri, o político mais influente no atual governo. Quanto mais alta a aposta, maior é o risco. Aparentemente, Milei tem consciência do perigo de não conseguir governar. O antecessor Fernández conseguiu chegar ao fim do mandato, mas com a menor taxa de aprovação (20%) da atual safra de presidentes latino-americanos.
Os adversários peronistas de Milei levaram 78 anos no poder aplicando a fórmula do “déficit público é vida”. Mantiveram políticas públicas ineficazes, que resultaram na degradação da renda dos indivíduos. Ele ganhou a eleição contestando esse modelo. Venceu em quase todas as províncias (Estados), chegou a ter 75% dos votos em algumas e em bairros mais pobres de Buenos Aires levou até 89% da votação.
Elegeu-se com minoria parlamentar, uma bancada insuficiente inclusive para abrir sessões legislativas. Nas últimas 24 horas, no entanto, fechou acordos suficientes para, nesta quarta-feira, isolar o peronismo e deixá-lo sem posição de comando até nas comissões do Congresso.
Isso pode ser considerado um êxito na emergência, mas não significa que terá vida fácil na presidência. Começou o governo com maxidesvalorização da moeda e cortes na constelação burocrática (eram 18 ministérios e 288 secretarias), porém não mostrou sequer um esboço do plano de recuperação do país que prometera na campanha.
Principalmente, não deu pistas sobre a mais relevante de todas as questões em todo e qualquer projeto de estabilização econômica: Quem paga a conta? De toda forma, agora nenhum argentino pode dizer que “El Loco” não mandou avisar: “Vai piorar”.