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Informação e análise

Éden amazônico

Conto de Natal da Guiana embala fantasias sobre um tesouro brasileiro

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jan 2025, 11h57 - Publicado em 17 jan 2025, 06h00

A economia cresceu 40%. O novo orçamento será recorde, os gastos públicos devem aumentar 45%. Haverá distribuição de dinheiro diretamente ao povo, com doação de 6 000 reais a cada família, além da garantia de saúde e escola grátis para todos, universidade incluída. O salário mínimo vai subir 66%, para 3 000 reais, e o poder de compra vai crescer: o governo decidiu cortar pela metade o custo da conta de luz residencial. Haverá mais, muito mais ainda. O caixa está cheio e o ano é de reeleição presidencial.

Lula já viu e ouviu sobre esse Éden político na Amazônia, 3 000 quilômetros ao norte de Brasília. Se acaso tem inveja do que o presidente Mohamed Irfaan Ali está fazendo na Guiana, tudo bem, porque, como diz o compositor Lenine, uma olhada de guloso não faz mal a ninguém.

Irfaan Ali tem 44 anos. É do tempo em que Lula, no ocaso da ditadura, fundava o Partido dos Trabalhadores no Colégio Sion, em São Paulo. Filho de professores indo-guianenses muçulmanos, migrou de uma ilha da região de Essequibo, objeto de delírios militaristas da ditadura da vizinha Venezuela, para a capital, Georgetown. Ganhou a eleição presidencial de 2020, pelo Partido Popular Progressista-Cívico, mas sua vitória só foi reconhecida cinco meses depois da votação, sob pressão diplomática coordenada entre Washington e Brasília.

Ele nem completara dois meses no poder, quando fez o anúncio que mudou a história da Guiana: começara a jorrar petróleo no mar em frente a Georgetown, na plataforma da ExxonMobil que flutuava a 120 quilômetros da costa. Naquela véspera de Natal, os 780 000 habitantes da Guiana ganharam o grande prêmio da loteria geológica. Era um dos países mais pobres do mundo, se tornou dos mais ricos da América do Sul. Irfaan Ali vai tentar a reeleição em novembro (o dia de votação ainda não foi marcado).

Foi-se o tempo de misérias em noites “sem lua, sem nome”, como escreveu o poeta León-Gontran Damas (1912-1978) sobre o período da opressão colonial europeia numa sociedade construída no sincretismo das culturas indígena, africana e indiana. Agora, sonhos de prosperidade e riqueza moldam o horizonte de um novo petroestado sul-americano.

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“Conto de Natal da Guiana embala fantasias sobre um tesouro brasileiro”

A Guiana tem reservas equivalentes a 10 250 barris de petróleo por habitante, calcula o Banco Mundial. É mais do que possuem os Emirados Árabes Unidos (10 100 barris per capita), a Arábia Saudita (8 100) e a Venezuela (9 500). A confirmação da extensão dos depósitos de óleo à costa do Suriname, que pretende iniciar a exploração no próximo ano, tem provocado no governo brasileiro intenso debate sobre a conveniência de anunciar operações da Petrobras no litoral do Amapá antes ou depois da COP30, a conferência da ONU sobre meio ambiente, em novembro.

Petróleo passou a ser o principal produto brasileiro de exportação. Liderou as vendas externas no ano passado (13,3% do total, à frente da soja, com 12,7% do valor somado no período). A Petrobras não tem certeza da existência de óleo no litoral norte, no trecho que chama de Margem Equatorial, mas insiste na aposta. Esgrime com o argumento do declínio das reservas no pré-sal do Sudeste nos próximos quatro anos. E apresenta um cenário ruim para qualquer governo, no qual o país poderia voltar à condição de importador a partir de 2032. A realidade pode ser pior, porque o país não possui um plano B para conversão da sua maior empresa, dedicada ao petróleo há 71 anos, numa grande companhia de energia.

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Lula deseja ver a Petrobras explorando a costa do Amapá. As sondagens no pré-sal do Sudeste começaram antes da sua chegada ao Planalto, em 2002, mas foi ele quem se beneficiou das grandes descobertas na faixa litorânea entre São Paulo, Rio e Espírito Santo, às vésperas da temporada de reeleição. O governo quer aproveitar as fontes de receita do petróleo enquanto for politicamente possível e diplomaticamente aceitável, mas Lula receia a reação interna e externa às incertezas e riscos sobre a abertura de uma frente exploratória da Petrobras no litoral do Amapá, onde as condições ambientais são muito complexas.

A Amazônia estará na vitrine mundial na COP30 da primavera em Belém. Quando acabar, prevê-se no Planalto, Lula terá duas decisões a tomar: quando a Petrobras começará a operar na costa do Amapá e se vai, ou não, disputar a reeleição em 2026. O conto de Natal da Guiana embala fantasias políticas sobre um tesouro oculto na Amazônia brasileira.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927

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