Dinheiro do tráfico racha o MAS, o partido socialista de Evo Morales
Depois de 25 anos de hegemonia na política boliviana, dirigentes do Movimento ao Socialismo denunciam uns aos outros por laços com o narcotráfico
Nada será como antes no Movimento ao Socialismo (MAS) que detém a hegemonia do poder na Bolívia.
Evo Morales, 62 anos, o líder do MAS que governou o país por treze anos, está em confronto público com a ala “renovadora” do partido, comandada pelo atual vice-presidente boliviano David Choquehuanca, 61 anos.
É o mais grave conflito desde a fundação do partido, em 1997. Dele começaram a emergir revelações sobre as relações que um pedaço da elite política boliviana, liderada pelo ex-presidente Morales, possui com as máfias do tráfico de cocaína — quase toda remetida para portos e aeroportos do Brasil.
É um embate do MAS contra o próprio MAS. No episódio mais recente, o deputado Rolando Cuéllar, de Santa Cruz, acusou o vice-presidente do partido, Gerardo García, de atuar na arrecadação de dinheiro do narcotráfico para financiar campanhas eleitorais de Morales e de alguns dirigentes do partido. García é um dos principais aliados do ex-presidente.
Dias atrás, o deputado Cuéllar divulgou cópia do que seria uma carta do vice-presidente do MAS a José Miguel Farfán, traficante argentino condenado e conhecido pelo codinome Miguel Ángel Salazar Yavi. Anunciou para a próxima semana a entrega do original à polícia, com uma outra carta “muito mais grave”.
Na cópia divulgada, lê-se: “(…) Da parte do nosso presidente, Evo Morales Ayma, da direção nacional e de de todos os dirigentes do MAS, agradecemos ao nosso irmão Miguel Ángel Salazar Yavi pelas grandes contribuições econômicas que vem realizando desde as eleições de 2014 até o momento, porque graças às suas generosas contribuições pudemos solucionar nossas campanhas em diferentes etapas eleitorais desde 2014”.
O partido entrou em convulsão. Sob pressão, o presidente boliviano Luis Arce, que integra a ala moderada do MAS, mandou investigar — “em sigilo”, ressalvou.
O gesto de Cuéllar foi interpretado como declaração de guerra do grupo comandado pelo vice-presidente da República, David Choquehuanca, de quem é um dos principais aliados. O alvo: Evo Morales.
É um confronto de características tribais: ambos são da mesma etnia Aimará, emergiram como líderes dos agricultores de folhas de coca, e, juntos, consolidaram o MAS como força política hegemônica.
Choquehuanca foi chanceler nos três governos de Morales e, nos últimos anos, tem se empenhado num projeto de “renovação de lideranças”.
O MAS vai completar 25 anos no sábado, dia 23. Está rachado. Em outubro haverá eleição para o comando partidário.
É possível até que desse confronto entre as tribos de Morales e de Choquehuanca resulte o nascimento de um novo partido para a disputa presidencial de 2025.
Até lá, certamente, serão conhecidos detalhes da infiltração do narcotráfico no “instrumento político pela soberania dos povos” — como os dirigentes do MAS se referem ao partido.