Quarenta e dois segundos. É quanto se gasta para beber um copo d’água, ou para um atleta, como o sul-africano Wayde van Niekerk, tornar-se recordista na pista olímpica de 400 metros.
Foi esse o tempo usado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, para aprovar uma proposta de emenda constitucional que limita decisões monocráticas e pedidos de vista em tribunais superiores.
O alvo é o Supremo Tribunal Federal, mas a manobra é inócua: dez meses atrás o STF mudou as regras internas sobre forma e o prazo das individuais dos onze juízes.
A decisão da comissão mais importante do Senado emoldura a disputa de poder do Legislativo com o Judiciário. A pressa de Alcolumbre tem mais a ver com sua campanha interna pela presidência da Casa em fevereiro de 2025.
Mostra a liquefação, pela desfuncionalidade, de um sistema de organização dos Poderes desenhado na Constituição promulgada numa quinta-feira 5 de outubro, na primavera de 35 anos atrás.
O Congresso, o governo e o Judiciário já não constroem soluções políticas para os conflitos que criam diariamente.
O parlamentar ou o partido derrotado em votação no plenário recorre ao Supremo. São responsáveis por mais de 40% das ações judiciais questionando a constitucionalidade parcial ou total de normas aprovadas na Câmara ou no Senado.
O Legislativo produz normas em quantidade. Já fez 131 emendas à Constituição, algumas reformando capítulos inteiros. Nos últimos 63 dias aprovou três novas emendas.
A produção legislativa tem-se destacado pela má qualidade. Sete de cada dez leis aprovadas entre 2007 e 2022 acabaram anuladas — no todo ou em parte — pelo STF, porque prejudicavam os direitos constitucionais dos 208 milhões de brasileiros.
A situação se agrava. Somente nos últimos cinco anos foram abolidas 1.101 legislações julgadas inconstitucionais. Em comparação, no quinquênio anterior haviam sido 181. Houve um crescimento exponencial (508%), informa o Anuário da Justiça.
Amplia-se, também, o tumulto nas finanças públicas, porque o governo transformou o Judiciário em gerente do seu caixa: transferiu-lhe a decisão sobre seus conflitos na gestão fiscal, numa federação já atolada em 36 mil normas tributárias federais, 147 mil estaduais e 260 mil municipais.
O Judiciário, sobretudo o Supremo, mantém-se prisioneiro da incapacidade de explicar à sociedade decisões essencialmente contraditórias em processos políticos relevantes, e com juízes criando as próprias regras e limites — definindo, inclusive, se têm limites.
A crise está aí. Sua duração e desfecho são imprevisíveis. Se alguma certeza é possível é a de que esse processo de liquefação política— com episódios de quarenta e dois segundos de duração —, encerra um ciclo de poder da sociedade sobre o Estado esboçado 35 atrás na “Constituição Cidadã”, coordenada por Ulysses Guimarães.