Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

José Casado

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Informação e análise

Cadê o dinheiro?

Bilhões de reais dos cofres públicos sumiram e o destino é incerto e não sabido

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 dez 2024, 17h32 - Publicado em 6 dez 2024, 06h00

“Temos a gravíssima situação em que BILHÕES DE REAIS do Orçamento da Nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos” — escreveu com ênfase o juiz do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, na semana passada. Ele se referia à extraordinária quantia de 186,3 bilhões de reais extraída do Orçamento da União nos últimos seis anos por 360 deputados e 69 senadores, sem clareza na prestação de contas.

É um relevante volume de dinheiro dos impostos; equivale a 30 bilhões de dólares. Supera todo o gasto federal com educação previsto para este ano. Se fosse no mercado privado, chamaria a atenção por corresponder ao dobro das vendas anuais do grupo Mercado Livre, ou ainda por ser equiparável ao total do patrimônio líquido do Itaú Unibanco, o maior conglomerado financeiro do país.

Há dois anos o Supremo tenta obter do Congresso informações “completas, precisas, claras e sinceras” sobre quem autorizou, manejou e qual foi o destino dessa dinheirama — uma obrigação imposta pela Constituição a qualquer pessoa física ou jurídica que “utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre” dinheiro, bens e valores públicos. No entanto, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, mantêm obstinada resistência à abertura dessa bilionária caixa-preta parlamentar.

Já se passaram 97 semanas, quase 700 dias, desde que a então presidente do STF, Rosa Weber, mandou identificar “de modo acessível, claro e fidedigno” todos os deputados e senadores patrocinadores, apoiadores e beneficiários que integram essa rede de interesses financeiros e eleitorais incrustada no orçamento público. Mais um ano está terminando sem que tenham sido apresentadas informações com transparência sobre parte expressiva das emendas parlamentares. Câmara e Senado têm resumido suas respostas numa só palavra: “Impossível”. É sinônimo de inviável, irreal e impraticável, informam os dicionários.

“Bilhões de reais dos cofres públicos sumiram e o destino é incerto e não sabido”

Continua após a publicidade

É paradoxo político, desafio à lógica e inútil tentativa de dar sentido àquilo que não tem nexo. Porque é muito difícil acreditar que 186,3 bilhões de reais em dinheiro dos impostos (30 bilhões de dólares) tenham sido manipulados anonimamente por 429 deputados e senadores no escurinho do Congresso, sem vestígio ou registro em ofícios, e-mails e planilhas orçamentárias entre 2019 e 2024. Mais absurdo, como anotou o juiz Flávio Dino, seria imaginar que “tais documentos existiram e foram destruídos no âmbito dos Poderes Legislativo ou Executivo”, durante os governos Jair Bolsonaro e Lula.

Consequências políticas são visíveis e indicam uma concorrência desleal nas urnas: 98% dos prefeitos se reelegeram nas cidades mais privilegiadas por emendas parlamentares. E nas vinte que mais receberam verbas federais, às vésperas da eleição municipal, uma em cada três obras financiadas nem saiu do papel.

Promoveu-se, também, inédito despejo de 5,5 bilhões de reais (quase 1 bilhão de dólares) diretamente dos cofres públicos para entidades não governamentais. Pouco mais da metade foi parar em contas bancárias no Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo. Breve exame em dez organizações beneficiadas comprovou que metade não tem pessoal e estrutura física para realizar os projetos custeados com dinheiro dos impostos a partir de obscuras decisões de parlamentares, anônimos beneméritos.

Continua após a publicidade

No STF, por enquanto, evita-se falar em crimes, como desvio e peculato — delitos reconhecidos nas ruas como roubo de dinheiro público. “É precoce afirmar”, ressalvou o juiz Flávio Dino sobre a “esdrúxula situação constatada”. Acrescentou, com ênfase na grafia: “Mas é de clareza solar que JAMAIS HOUVE TAMANHO DESARRANJO INSTITUCIONAL COM TANTO DINHEIRO PÚBLICO, EM TÃO POUCOS ANOS”.

Embates entre Congresso e governo sobre centralismo orçamentário, com ou sem arbitragem do Supremo, têm custo político e econômico. Como observa Creomar de Souza, da Dharma Consultoria, agora constituem “fontes de preocupação para uma reestruturação da lógica de endividamento público”. É uma situação alentadora de especulações contínuas sobre o crescimento da dívida pública e a capacidade de solvência do Estado brasileiro.

Para manter lacrada a caixa-preta do Congresso, os presidentes da Câmara e do Senado, e prováveis sucessores, resolveram se enrolar na bandeira das “prerrogativas” do Legislativo. Numa interpretação benigna, é medida de autoproteção, reação ao aumento do escrutínio social sobre as contas públicas e as condutas dos políticos. Outra leitura possível é a tentativa de garantia de impunidade. O problema é que sempre haverá alguém perguntando: “Cadê o dinheiro dos impostos?”.

Continua após a publicidade

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.