A ilusão da esquerda com o socialista alinhado a Bolsonaro
Líder do "novo socialismo", festejado por Lula e Dilma, Pedro Castillo adotou a agenda de Bolsonaro e anunciou lei para castração química no Peru
No meio do último inverno, expoentes da esquerda na América do Sul se uniram na celebração do “novo socialismo” de Pedro Castillo, que acabara de superar nas urnas uma coalizão de centro-direita se elegendo presidente do Peru.
Do Brasil, Lula enxergou na vitória de Castillo uma mensagem simbólica: “Representa mais um avanço na luta popular em nossa querida América Latina”.
Dilma Rousseff foi além: “Sua vitória sobre a extrema direita é um alento para as forças progressistas latino-americanas. Castillo representa a esperança dos camponeses, indígenas e trabalhadores peruanos.”
Aos 52 anos, Castillo conseguira revigorar o cardápio de ideias cultuadas pela esquerda latina desde anos 60 do século passado.
Se apresentava em chapéu de palha chotano, poncho e chinelos feitos a partir de pneus velhos, com histórico e retórica típicas do “socialista” que vê o mundo como paraíso prometido aos pobres que odeiam ricos.
Vinha de uma vida camponesa em Tacamba, na província peruana de Chota, a mil quilômetros da capital, lugar só alcançável por barco ou avião, onde a miséria resplandece ao redor de um símbolo do capitalismo colonial, uma mina de ouro.
Em Lima, vendeu até picolés antes de se empregar como professor na rede pública de ensino básico. Ascendeu na política pela militância no sindicalismo dos professores da rede pública de ensino básico. Chegou à presidência como azarão, acenando aos peruanos com um slogan eficiente (“Não mais pobres num país rico”) e um programa de governo onde se desenhava para o Peru um futuro no paleolítico da política.
Incluiu coisas como a promessa de nova Constituição para estabelecer o regime de “economia popular” e exterminar o neoliberalismo — “o inimigo”; estatização total; apropriação de 80% dos lucros das multinacionais; e, “distribuição ao povo” das reservas cambiais do país, estimadas em US$ 68 bilhões em junho do ano passado.
Deu tudo errado. Castillo passou os últimos oito meses mudando a equipe. Já trocou 46 ministros, um a cada dez dias. Está no quarto ministério (19 integrantes), já anuncia o quinto e ainda lhe faltam quatro meses para completar o primeiro ano do mandato.
A incapacidade de fazer o governo funcionar acirrou uma crise nascida do descrédito institucional, inflada pelos casos de corrupção revelados na versão peruana da Operação Lava Jato. Quatro ex-presidentes foram investigados por receber subornos de empreiteiras brasileiras — um se suicidou antes da prisão, outro foi preso e um terceiro está sob julgamento. A confusão peruana foi agravada pela alta nos preços dos alimentos e combustíveis, a maior em duas décadas.
Ontem, Castillo teve uma ideia, vestiu a faixa presidencial e convocou rede nacional de rádio e televisão: “Estamos propondo a aplicação da castração química como uma das medidas drásticas contra estupradores. A proposta será formalizada nos próximos dias e esperamos que o Congresso não dê as costas ao clamor popular.”
O líder do “novo socialismo”, festejado representante do “avanço na luta popular” na América Latina se exibiu como o conservador que sempre foi.
Castillo só surpreende quem, em nome da antiga “luta de classes”, optou pelo autoengano sobre o extremista peruano do tradicionalismo, visceralmente contrário ao casamento gay e à liberação do aborto, entre outros aspectos do debate social.
Ontem, no entorno de Lula e Dilma, alguns extravasavam perplexidade. Ficaram ainda mais atônitos quando souberam que o incensado representante da “esperança dos camponeses” havia se inspirado numa proposta de legislação sobre castração química apresentada nove anos atrás na Câmara, em Brasília.
Foi Jair Bolsonaro o autor do projeto (nº 5398/2013) que acabou arquivado. Dois anos atrás, a pedido, foi resgatado e reapresentado (nº 4239/20) pelo deputado Eliéser Girão Monteiro Filho, conhecido no Rio Grande do Norte como general Girão, do União Brasil.
Castillo, o socialista cuja eleição foi saudada no Brasil como “um alento para as forças progressistas”, acabou abraçado ao “mito” da direita verde-amarela numa agenda política radicalmente tradicionalista sobre costumes.
Bolsonaro deve visitá-lo em Lima, no próximo inverno. Se Castillo ainda estiver na presidência.