A encruzilhada
Impacto do tarifaço de Trump deixa Lula em situação difícil, a pior que já enfrentou

Quase metade dos brasileiros acha que piorou a situação econômica pessoal na virada do semestre. Houve significativa mudança no humor dos eleitores, informa o Datafolha: a insatisfação aumentou de 33% em junho para 45% em julho, ou seja, subiu 12 pontos percentuais em apenas quatro semanas. É nível de pessimismo inédito em 31 meses do governo Lula.
Num vislumbre do futuro imediato, prevalece a apreensão com a nova realidade. Nove em cada dez eleitores acreditam que a economia será duramente atingida pelo tarifaço imposto por Donald Trump ao Brasil.
Eles têm razão, indicam os dados levantados pelo governo e pela câmara de comércio bilateral, Amcham Brasil. Se nada mudar nas próximas semanas, serão afetadas cerca de 60% das exportações nacionais para os Estados Unidos. As perdas financeiras tendem a ser relevantes para cerca de 10 000 empresas dependentes do mercado americano (entre 10% e 70% do faturamento anual). Elas empregam 3 milhões de pessoas.
A boa notícia do lado brasileiro é que o setor privado se mexeu. Provocou governos em Brasília e em Washington e conseguiu reduzir o impacto do tarifaço. Foi possível porque o lobby empresarial apresentou à Casa Branca o mais comovente dos argumentos para Trump, a prioridade dos interesses americanos.
Resultado: em apenas quinze dias de julho montou-se uma lista de isenções para produtos brasileiros (694 itens, 36% do total) com o objetivo exclusivo de resguardar uma fatia de 30 bilhões de dólares por ano em negócios das empresas dos EUA no comércio com o Brasil.
Trump aprendeu a negociar em ambiente de instabilidade, insegurança e incerteza — num exemplo, levou suas empresas a entrar e sair lucrando de seis recuperações judiciais. Por isso, o jogo com o Brasil parece estar só começando.
“Impacto do tarifaço de Trump deixa Lula em situação difícil, a pior que já enfrentou”
É simbólica a lista de produtos não isentos da sobretaxa (de 50%) para importação. Nela estão produtos como café, carnes, pescados, frutas e laminados de aço, entre outros. Em muitos casos, é realista o risco de inviabilidade da produção por causa da alta dependência do mercado americano. Isso impõe um sentido de urgência incomum a esses exportadores.
Significa, na prática, mobilizar a capacidade de influência empresarial sobre o governo Lula. Segmentos como o da produção de carnes há tempos mantêm em Brasília uma estrutura de lobby setorial e estão ampliando a representação de interesses em Washington, onde os contratos mais baratos custam 500 000 dólares, equivalentes a 2,7 milhões de reais. Por mês.
Empresas médias, com até 500 empregados e dedicadas à exportação para os EUA, representam o problema novo na mesa de Lula a partir desta semana. Espelhado na experiência da pandemia, o “pacote” de socorro governamental poderá mitigar danos, mas, por óbvio, não terá o poder de salvar empregos no chão de fábricas que têm mais de dois terços da sua produção direcionados aos Estados Unidos.
Lula enfrenta um momento complicado. “É a situação mais delicada que ele já enfrentou”, diz Miro Teixeira, ex-deputado federal pelo Rio, que foi ministro das Comunicações e líder do governo Lula na Câmara durante o primeiro governo, duas décadas atrás. “É o seu maior desafio, maior até que os dos períodos da cadeia.”
Lula esteve preso duas vezes. No final da ditadura, em 1980, foi acusado de subversão por liderar greves de metalúrgicos. Na redemocratização, em 2018, foi condenado por corrupção, sentença que acabou anulada pelo Supremo Tribunal Federal.
A diferença, disse Miro Teixeira aos jornalistas Mara Luquet e Leonardo Cardoso, do Canal MyNews, está no fato de que na cadeia “o sacrifício era dele, estritamente pessoal”. Mas, e agora? Ele complementa: “Agora, ele pode chegar a um ponto em que uma grande massa da população seja sacrificada com o desemprego, com a redução da produção, com a economia brasileira sofrendo impactos. Então, esse é o momento mais delicado”.
A melhor alternativa para o governo, ouve-se no Itamaraty, está na separação do problema comercial — o tarifaço — de questões políticas como o julgamento criminal de Jair Bolsonaro e os devaneios de Lula sobre a criação de moeda alternativa ao dólar, proposta ainda sem apoio público da China.
Não há muito o que fazer quando Bolsonaro resolve se deixar usar como rosto do anúncio do tarifaço contra o Brasil, mas o governo Lula está diante de uma oportunidade: sem alinhamento automático aos EUA ou à China, negociar com Washington e Pequim mudanças no comércio e investimentos que privilegiem interesses do país no novo mundo em formação.
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Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956