A crise de Arthur Lira e Ciro Nogueira atinge Bolsonaro
Presidente da Câmara e chefe da Casa Cvil estão no centro de investigações que sinalizam crise no governo e na campanha de Bolsonaro
Dois dos personagens mais influentes no governo e na campanha de Jair Bolsonaro terminaram a semana enredados em estranhas transações.
Arthur Lira, presidente da Câmara, por ter atuado em negócio de R$ 26 milhões do Ministério da Educação para distribuição de kits educacionais a prefeituras de sua base eleitoral em Alagoas.
O governo comprou o material de ensino de construção de robôs de uma empresa de aliados de Lira. Pagou um alto preço (R$ 14 mil por unidade), cinco vezes mais que a Prefeitura de São Paulo, revelou o repórter Paulo Saldaña, na Folha. Os modelos de robôs foram destinados a pequenas cidades alagoanas com escolas públicas abandonadas, inacabadas, sem acesso a água potável, computadores ou mesmo rede de internet.
Quem pagou pelos kit de robótica foi o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O FNDE está sob investigação preliminar no Senado, que pode evoluir para uma comissão parlamentar de inquérito.
Esse fundo tem orçamento de R$ 54 bilhões e um histórico de manipulações políticas.
Entre os casos suspeitos mais recentes estão a aplicação de verbas públicas com corretagem privada de pastores evangélicos e, também, tentativa de fraude em compras de ônibus escolares. Em 2019 impediu-se uma licitação de R$ 3 bilhões para aquisição de notebooks. Numa única escola em Minas cada um dos 255 estudantes receberia 117 laptops.
O fundo do Ministério da Educação é presidido por Marcelo Pontes, ex-chefe de gabinete do ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil.
O dinheiro usado na compra dos kits escolares de robótica chegou ao FNDE por emendas orçamentárias obscuras feitas no Congresso.
Elas somaram R$ 33 bilhões nos últimos 15 meses, compondo um orçamento paralelo sem transparência.
Na Câmara é reconhecido papel de Lira no controle e na distribuição dessas emendas entre parlamentares aliados do governo.
O presidente da Câmara e o chefe da Casa Civil partilham o controle do Partido Progressistas.
O PP divide com o Partido Liberal, de Valdemar Costa Neto, a liderança do Centrão, agrupamento partidário que sustenta Bolsonaro no Congresso. O PL abriga a candidatura de Bolsonaro à reeleição.
Ontem, o chefe da Casa Civil de Bolsonaro foi acusado pela Polícia Federal, em documento apresentado ao Supremo Tribunal Federal, de ter recebido propina de uma empresa privada em 2014, para apoiar a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores.
Ciro Nogueira, que já era senador pelo Piauí e presidente do Progressistas, teria recebido R$ 5 milhões do frigorífico JBS, em doações eleitorais oficiais, em malas de dinheiro vivo e em repasse direto a um supermercado da sua família em Teresina.
O ministro e o presidente da Câmara têm peso específico não apenas nas decisões de governo mas, principalmente, no rumo da campanha de Bolsonaro.
Agora, ambos estão no centro de múltiplas investigações — do Senado, da Polícia Federal, do Tribunal de Contas e, também do Supremo no caso do orçamento paralelo. Eles negam tudo.
No conjunto, elas sinalizam crise no governo e na campanha de Bolsonaro. Os episódios do fundo da Educação, por exemplo, têm potencial para comprometer a liderança do presidente da Câmara e atingir parte do Centrão, a base parlamentar governista. A suspeita de corrupção sobre o chefe da Casa Civil cria instabilidade no centro do governo e da campanha de reeleição presidencial.
Bolsonaro demonstra preocupação. Tenta impedir uma CPI no Senado, ao mesmo tempo em que endereça a crise e tenta restringi-la ao Congresso: “Vai botar a culpa em mim? Suspeita de corrupção [no fundo do MEC]? Não tenho nada a ver com isso, o orçamento aqui, quem dá destino é o relator do orçamento, é o cara mais poderoso que eu, tem mais dinheiro” — disse na noite de quinta-feira.
O problema é que esse orçamento paralelo é resultado de um acordo entre Bolsonaro, Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto.
Bolsonaro entregou-lhes uma fatia do orçamento federal e a gestão do governo, incluída a Casa Civil.
Ganhou a estabilidade que não possuía nos primeiros dois anos de mandato. E garantiu condições básica para sua candidatura — inclusive um partido, o PL, com direito a escolher candidatos em alguns colégios eleitorais que considera estratégicos.
Bolsonaro tem direito a se queixar de tudo, menos de tédio na sua campanha de reeleição.