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Jorge Pontes

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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.

PEC da Segurança – antes tarde do que nunca

A iniciativa não deixa de ser bem-vinda e oportuna. A questão é se a sociedade brasileira vai acreditar em sua eficácia

Por Jorge Pontes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 nov 2024, 19h08 - Publicado em 2 nov 2024, 19h07

Foi extremamente positivo o encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com 13 governadores em Brasília, nessa última quinta-feira, 31, para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança.

A questão é se os brasileiros vão confiar na capacidade da PEC de trazer resultados concretos, isso depois de assistir – nas últimas décadas – o aprofundamento de uma crise crônica na segurança pública do país, apesar de inúmeros projetos, planos e intervenções – levados a cabo em sequência por diferentes administrações e governos.

Contudo, alguma coisa precisa ser feita, e o pacote de medidas proposto pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski provocou algumas reações dos governadores presentes. Poderíamos escrever uma dúzia de artigos nessa coluna sobre os diversos aspectos abordados no encontro. Merecem especial registro as intervenções de Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas, respectivamente à frente dos governos de Goiás e São Paulo.

O governador Caiado bravateia quando diz que “acabou” com o crime em seu estado. Isso não é verdade. Goiás registra atualmente a presença e ações do PCC e do Comando Vermelho em seu território. Mesmo se não registrasse, o enfrentamento à criminalidade é uma atividade que não pode cessar. A luta contra o crime deve ser levada como uma partida de futebol que não termina, onde o árbitro não faz soar o apito final. Ademais, Goiás não é uma ilha isolada e nem um território na Escandinávia. É uma das 27 unidades da Federação, localizada no centro do país, com divisas com a região Nordeste, Sudeste e Norte, e com outros cinco estados. Bom lembrar que a delinquência organizada e seus exércitos de criminosos formam um “corpo líquido”, que invariavelmente transborda para as regiões vizinhas.

O governador de Goiás demonstra ainda não aceitar bem a ideia de que os estados absorvam diretrizes federais para o bom enfrentamento à macrocriminalidade no país como um todo. Por fim, sugere que os estados membros passem a legislar em matéria penal e processual penal, algo que se fosse colocado em prática seria o próprio “bode na sala” da administração da justiça criminal no país. O pacto federativo decerto concede autonomia ao estado membro – o que não significa soberania.

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Já o governador Tarcísio de Freitas trouxe uma contribuição relevante para a discussão quando alertou para a infiltração do crime organizado em negócios e mercados lícitos e legítimos. Não pode haver preocupação maior no momento.

O governador de São Paulo parece saber que o problema hoje não mais se resume ao crime organizado atuando nas ilicitudes como o tráfico de drogas e de armas, mas nas quadrilhas e facções delituosas invadindo e tomando mercados lícitos e estratégicos, como o de combustíveis, bebidas, cigarros, construção civil, medicamentos etc.

A partir dessas plataformas econômicas, o crime organizado se alicerça financeiramente com o viés da legalidade, e assim apoia campanhas eleitorais de vereadores e deputados. Numa segunda onda elege prefeitos e apoia campanha de governadores. Ao fim, depois de infiltrar-se nos poderes Executivo e Legislativo com bancadas fortalecidas econômica e politicamente, indicam desembargadores para tribunais de Justiça, e alcançam o Poder Judiciário.

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Os Três Poderes estarão contaminados pela criminalidade. É o que poderíamos chamar de processo de “mexicanização” de um estado – ou “riodejaneirização”.

Importa lembrar que para obtermos sucesso nesse enfrentamento devemos deixar de lado questões ideológicas. Estamos vivenciando riscos que não mais nos demandam ações de governos, mas de Estado. As medidas deverão ser mais estruturantes e pragmáticas, baseadas em estatísticas e conhecimentos comprovados. Na temerária questão da tomada dos mercados legais pelo crime, devemos pensar em sistemas que propiciem a total rastreabilidade (Follow the Product) do que é produzido, e na criação de um organismo que funcionaria como um COAF dos produtos, o que mitigaria sobremaneira atividades como sonegação, pirataria, contrafação e descaminho – tão exploradas pelas facções criminosas.

Importante ressaltar que a iniciativa do ministro da Justiça tem como um de seus principais objetivos viabilizar que a Policia Federal tenha ampliada a sua atribuição de investigar as organizações criminosas. Hoje a PF tem a limitação de só poder investigar casos de organizações criminosas que cometam crimes federais. Isso limita a sua ação nessa seara tão urgente. Devido a sua expertise e capilaridade em todo território nacional, entendemos como fundamental a entrada da Polícia Federal no enfrentamento dessas quadrilhas, sem as restrições atuais.

Finalmente, em relação ao compartilhamento de bases de dados e de inteligência policial, no que tange à colaboração da Polícia Federal com as forças de segurança do Rio de Janeiro, em especial com a Polícia Militar, será necessário muita cautela e controles para evitar vazamentos que possam colocar em risco o sucesso das operações e as próprias vidas dos policiais nelas envolvidos. A participação de PM’s e policiais civis do Rio de Janeiro no homicídio da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes nos autoriza a acreditar que será necessário um extenso e profundo trabalho (prévio) de corregedoria e assuntos internos nessas duas instituições.

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