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Jorge Pontes

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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Guerras às drogas e pilotos de zepelins

Drogas são um flagelo terrível e merecem ser enfrentadas, mas não com uma guerra que produz efeitos colaterais piores do que o próprio objeto guerreado

Por Jorge Pontes
Atualizado em 9 Maio 2024, 12h09 - Publicado em 21 abr 2024, 13h56

No momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) caminhava para decidir sobre a descriminalização do porte de drogas (no caso, a maconha) para uso próprio, o Senado Federal buscou a aprovação, a toque de caixa, da PEC das Drogas. O resultado das discussões no Senado foi, infelizmente, um texto que não faz a indispensável diferença entre traficantes e usuários. E era exatamente essa distinção — fundamental – que o STF buscava com a análise que agora encontra-se suspensa em razão de um pedido de vista. 

Não há dúvidas de que a questão pertence ao Congresso Nacional, e o STF tratava do tema em razão da omissão do parlamento. Agora, retomado o assunto com a aprovação da proposta de emenda à Constituição, parece que veremos um enorme retrocesso em relação a uma tendência que avança no mundo. Ao STF só caberá intervir se houver, na aludida PEC, algum dispositivo inconstitucional. 

Lamentavelmente estamos observando, no parlamento, pressões de cunho religioso, moral e ideológico para a formatação de uma PEC que representará um atraso sem tamanho em assunto de enorme importância. A polarização política que atinge nossa sociedade está nos engessando e de fato operando grandes prejuízos para nós mesmos. 

Essa abominável onda de neoconservadorismo não consegue perceber que as bandeiras da descriminalização do porte para uso, ou mesmo da própria descriminalização da maconha, ou das drogas como um todo, não significam — em hipótese alguma — “ser a favor das drogas”. Muito pelo contrário.

Drogas são um flagelo terrível, e como tal merecem ser enfrentadas, mas não com uma guerra que produz efeitos colaterais piores do que o próprio objeto guerreado. 

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O presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, tem dito, com propriedade, que o Brasil vive uma epidemia de criminalidade. Tenho batido nessa coluna sobre a importância de sempre adotarmos modelos “anticrime-by-design” em todas as políticas públicas a serem postas em prática no país, em qualquer que seja a área de atuação. Isso implica desenhar políticas públicas, sempre avaliando seus efeitos na segurança pública e na criminalidade.

E quando decidimos enfrentar o problema das drogas com proibição, repressão criminal e encarceramento em massa, estamos adotando uma solução que provoca enorme impacto negativo na criminalidade como um todo. Por incrível que pareça, a guerra às drogas definitivamente não é uma política anticrime-by-design, muito pelo contrário.

A PEC das Drogas, se aprovada, aumentará ainda mais o encarceramento de usuários e pequenos traficantes (aviões) flagrados pela polícia com pequenas quantidades de drogas. As facções criminosas que atuam nos presídios acabarão reforçadas por essa “mão de obra”. Em grande maioria jovens pobres, negros e com menos de 25 anos de idade, que estarão perdidos para o crime de maneira irremediável. 

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A guerra as drogas, como vem sendo levada a efeito há décadas, em realidade nunca conseguiu efetivamente arrefecer a produção e o comércio de drogas. Drogas seguem sendo produzidas e seguem chegando ao destino, o qual são os consumidores em todos os cantos do planeta. 

E não podemos deixar de assinalar que a proibição, ao deflagrar o comércio ilegal, gera uma infinidade de delitos “de suporte” ao tráfico de entorpecentes. Sem a pretensão de esgotar o rol de condutas, citamos como tais crimes “de suporte” o tráfico de armas de fogo, corrupção de menores, homicídios, furtos, lavagem de fundos, corrupção de policiais, juízes e políticos, e muitas outras ofensas cometidas para garantir e suportar o comércio criminoso de drogas.

O tráfico de drogas é uma modalidade criminosa transversal a várias outras atividades, acarretando, catalisando e potencializando outras condutas. O fim da proibição teria potencial de implodir toda uma plataforma nefasta suportada e influenciada pelo tráfico.

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E temos que lembrar o óbvio: a proibição joga a produção e o comércio de substâncias entorpecentes na ilegalidade total, o que obviamente impede a regulamentação dessas atividades. E tudo o que ocorre sem possibilidade de regulamentação atrai o crime organizado. Daí podemos afirmar que a guerra às drogas é uma tolice da mesma magnitude da malfadada Lei Seca, que vigorou de 1920 a 1933 na América. Tudo que a guerra às drogas acarreta de negativo, como efeito colateral, foi experimentado pela Lei Seca, sem tirar nem pôr.    

Numa outra vertente, não menos desastrosa, observamos que a proibição deu causa à própria existência de drogas alternativas, mais acessíveis em termos mercadológicos, e, por conseguinte, muito mais devastadoras para a saúde. Nesse grupo, encontramos algumas drogas sintéticas, desenvolvidas exatamente em razão da proibição. O crack, por exemplo, como subproduto da cocaína, alastrou-se como uma praga nas grandes cidades brasileiras após o sucesso da política de controle de precursores químicos utilizados para o refino da cocaína.

Decerto que alguns dos efeitos da descriminalização serão extremamente negativos e difíceis para a sociedade, contudo, infinitamente menos nocivos do que as consequências da proibição e da repressão. É um jogo de perde-perde, mas a diferença entre as perdas é considerável. E não será uma decisão fácil e simples, e certamente importará em muita discussão, reflexão, estudos e projeção de cenários.

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Bom registrar que o conceito de sustentabilidade não é para ser empregado tão somente em temas ambientais, mas em tudo, inclusive na atividade policial. E a guerra às drogas já se mostrou absolutamente insustentável, além de inócua. E não demorará muito para, em menos de 30 anos — talvez menos — os bravos agentes de lei que dedicaram suas carreiras às DREs — delegacias de repressão a entorpecentes — serem rememorados da mesma forma em que hoje são lembrados os pilotos de zepelins.  

Por fim, esse tema é predominantemente de saúde pública, e mais cedo ou mais tarde nos obrigará a decisões que deverão ser tomadas com base exclusivamente na ciência, em fatos comprovados, em opiniões de profissionais e técnicos, que por sua vez estarão arrimados em estatísticas criminais e estudos científicos acurados, e não por pessoas que pensam ter visto Jesus numa goiabeira.

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