Bolsonaro não entrega o que prometeu em 2018 porque não quer
O problema do governo Bolsonaro é o próprio Bolsonaro

As redes sociais bolsonaristas vêm repetindo, de forma recorrente, que Bolsonaro não consegue governar – e, por conseguinte, entregar o que prometeu na campanha eleitoral de 2018 – em razão exclusivamente de empecilhos criados pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal.
Colocam o presidente como vítima de um grande complô engendrado por congressistas e ministros da Suprema Corte. E aí encontram justificativa até mesmo para o arrêgo de Bolsonaro em relação ao velho fisiologismo político, representado pela entrega de seu governo inteiro numa bandeja de prata ao Centrão.
Para não enxergar o fiasco retumbante do presidente, que ocorre em inúmeras áreas vitais de seu governo, como no combate à corrupção sistêmica, na luta contra os crimes ambientais na Amazônia e no próprio enfrentamento da pandemia do Covid-19, creditam ao Congresso e ao STF todos os males do país – como se Bolsonaro estivesse de pés e mãos atados pelos outros dois poderes da República.
Parecem ignorar que o Poder Executivo poderia – independente dos outros Poderes – liderar o início de alguns importantes processos de mudanças; poderia fortalecer e coordenar dezenas de instituições influentes que encontram-se sob sua gestão direta e fazer a diferença. Trata-se de um poder com um viés de dinamismo, que tem capacidade, capilaridade e arcabouço para articular e catalisar a cooperação de vários órgãos de investigação sob o seu guarda-chuva, potencializando-os em função de seus objetivos.
Mas para isso seria necessário que o presidente tivesse competência e boas intenções. E, ao que tudo indica, faltam-lhe os dois.
Bolsonaro poderia ter dado diretrizes para que o seu ministro da Justiça determinasse o fortalecimento do GINQ – Grupo de Inquéritos Especiais da Polícia Federal, e também para que fosse iniciada uma grande articulação com órgãos como a Controladoria Geral da União – CGU, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, para aperfeiçoar e aguçar as ações anti-corrupção, junto com a Polícia Federal. Por intermédio da SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, o governo teria como iniciar projetos para fortalecer as polícias estaduais, colocando-as na mesma página da Polícia Federal, no combate à corrupção nos respectivos níveis estadual e municipal. Isso não seria tão complicado e poderia começar com os governos estaduais alinhados com o presidente. O mais importante, numa obra tão extensa e trabalhosa, é sempre começar.
Longe de querer ignorar os profundos vícios e mazelas do Judiciário e do Legislativo federais, mas os apoiadores do presidente fazem de conta que não enxergam a sua péssima escolha para a Procuradoria Geral da República, e igualmente para as duas vagas que se abriram no Supremo Tribunal Federal, o que obviamente não correspondeu em nada com suas promessas de campanha, e ainda aprofundou o enfraquecimento do combate à corrupção sistêmica, com a participação deletéria que esses atores tiveram no processo de desidratação da Operação Lava Jato.
Bem ou mal, haveria como ir mudando a cara dos tribunais e tribunais superiores, paulatinamente, com nomeações meritocráticas e bem pensadas, que quebrassem a odiosa hegemonia do “falso garantismo” que ali prepondera.
O fato é que o Executivo pode fazer a diferença.
Decerto que o Congresso Nacional, em sua composição atual, será – até 2022 – um problema para a aprovação de novas leis e de reformas. Contudo, uma onda transformadora, irradiando-se a partir do Executivo, teria o condão de provocar o empoderamento de bons parlamentares, o que consequentemente contagiaria a sociedade brasileira para uma renovação no Legislativo, pelo voto. Bem ou mal, congressistas ruins e inoperantes podem ser desembarcados a cada quatro anos.
Em suma, o problema do governo Bolsonaro é o próprio Bolsonaro, que não tem história de vida nem estatura moral para entregar o que um dia prometeu.
Portanto, é totalmente factível retomarmos os avanços no enfrentamento à corrupção se o Executivo vier a ser bem ocupado a partir do próximo pleito eleitoral.