Anderson e Silvinei: dois policiais de estimação
Há muito falamos e escrevemos sobre o avanço da política (leia-se aquela rasteira, plena de clientelismos e fisiologismos) sobre os policiais de carreira
Na nossa instituição, a Polícia Federal, temos os já conhecidos “delegados pet”, aqueles delegados ou agentes que são cedidos aos gabinetes de deputados, senadores, ou mesmo os que aceitam trabalhar em secretarias estaduais ou municipais, em posições que não têm qualquer relação com as carreiras e funções para as quais foram selecionados e treinados. O que essas situações guardam em comum é que sempre há a influência de um político por trás do pedido de cessão desses policiais pet’s. E essas cessões costumam perdurar por anos e, em alguns casos, por décadas.
E é ai que mora o perigo, pois esses policiais acabam abduzidos, sequestrados e verdadeiramente fagocitados pela política ou pelos governantes de plantão, e seguem suas trajetórias movidos por interesses invariavelmente contrários e conflitantes com suas missões de carreira de estado. Se deixam usar de todas as formas, como office-boys e contínuos do poder.
Nessa semana, assistimos, um dia após o outro, dois fatos que encerram essa linha de conduta. Um foi o comparecimento vergonhoso do delegado Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), portando reluzente tornozeleira. O outro foi a prisão do ex-diretor-geral da Policia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques.
Silvinei foi preso preventivamente, com robustas suspeitas de ter deflagrado uma operação policial, no dia do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, em regiões onde havia sido previamente detectada forte densidade de eleitores do então candidato Lula da Silva, adversário do seu então chefe, o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação policial em questão tinha um claro objetivo: desencorajar ou impedir que eleitores de Lula votassem, isto é, interferir no resultado das eleições em favor de Bolsonaro. Difícil acreditar que uma ação desta natureza, com tamanhos desacertos morais e éticos, e que carrega uma traição sem precedentes ao juramento do policial, possa ter sido articulada e posta em prática sem o conhecimento do ministro da Justiça, Anderson Torres.
Pois bem, se formos observar mais detidamente as carreiras de Silvinei e Anderson, perceberemos com clareza que eles nunca poderiam ter chegado na posição em que chegaram. Os currículos de ambos não recomendariam suas nomeações, como diretor-geral da PRF e Ministro da Justiça, respectivamente. A bem da verdade, somente em um governo como o de Jair Bolsonaro, desenvolvido no caldo do baixo clero, poderíamos imaginar um delegado de trajetória opaca como Anderson Torres na pasta da Justiça.
Mas o estrago já ocorreu. Ambos envergonharam suas respectivas classes e instituições, atuando com uma audácia e um nível de desvio e subserviência nunca vistos até os dias atuais. O que temos de exigir agora é que — sendo confirmados os elementos de suspeita até agora colecionados pelas investigações da Polícia Federal —, ambos sejam punidos severa e exemplarmente. Esse é o ponto.
O rigor das reprimendas que porventura forem impostas a Silvinei e Anderson servirá para, doravante, desencorajar que policiais federais desviem-se de suas carreiras de estado para servirem como buchas de canhão para políticos inescrupulosos, sejam eles de quaisquer campos ideológicos.
Por derradeiro, agora percebemos que a cantilena da “fraude nas eleições”, repetida como um mantra por Bolsonaro e seus fanáticos seguidores, era algo que esteve de fato muito próximo de ocorrer, principalmente se as blitzes de Silvinei tivessem surtido o efeito planejado, afinal, o animus de fraudar existia, mas do lado de quem bradava, afinal, “a boca falava do que o coração estava cheio”.