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O jardineiro casual

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Fatos e mitos sobre a mandrágora, planta mágica de Hogwarts

Saiba por que essa planta que foi estrela até de filme do bruxo Harry Potter fascina e aterroriza os humanos desde a Antiguidade

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 jun 2017, 19h41

Em visita recente ao Cloisters, a magnífica filial do Museu Metropolitan à beira do Rio Hudson, no extremo norte de Nova York, me surpreendi ao verificar que, em meio àquele acervo de tesouros da Idade Média, uma planta disputava as atenções do público. No jardim de plantas mágicas e medicinais da Europa medieval, reluzia a estrela em questão: a mandrágora. Mas eu, que sempre me deixei fascinar pela aura de lenda e superstição que envolve esta espécie vegetal venerada desde a Antiguidade, tive certa decepção: vista de perto, a temida e amaldiçoada mandrágora não causa espanto nenhum, oras.

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Exemplar de mandrágora no jardim de plantas medievais do Cloisters, em Nova York (Marcelo Marthe/VEJA.com)

É lógico que eu não esperava nada tão vívido quanto as mandrágoras retratadas, digamos, em Harry Potter e a Câmara Secreta, segundo filme da franquia protagonizada pelo bruxo criado pela escritora escocesa J.K. Rowling. No filme de 2002 (e no livro correspondente que o inspirou), os alunos do colégio de feitiçaria de Hogwarts têm uma aula sobre a arte de colher uma mandrágora de um jeitinho minimamente seguro – como se revela na sequência, as raízes das plantas são seres com formas humanas que emitem gritos estridentes e paralisantes ao serem arrancados da terra. Seres fofinhos, mas bem desagradáveis, enfim.

Mandrágora
Ilustração medieval que ensina como colher a mandrágora com a ajuda de um cão (Leemage/Corbis/Getty Images)

Mesmo com toda sua empolgação infantil, a aventura de Harry Potter não chega a superar, em matéria de fantasia, as crendices sobre a mandrágora perpetuadas por séculos. Na verdade, até que o filme é bem fiel às fontes consagradas sobre o tema. Reza a lenda propalada desde tempos longínquos que a mandrágora nasce de uma maneira tétrica. Sua origem está no último suspiro de um homem vítima da chamada “morte suja” – o enforcamento perpetrado em geral com uma corda curta, de modo que as vértebras cervicais não se rompam com o peso do corpo e o sujeito agonize por mais tempo, até morrer por sufocamento. Quando isso ocorre, o corpo libera secreções como o sêmen no momento da morte. Bingo: segundo a superstição, toda vez que uma gota do sêmen de um homem enforcado atingisse o chão, ali nasceria uma mandrágora.

As histórias sobre como colher e turbinar os efeitos mágicos da mandrágora não são menos coloridas. Acreditava-se, realmente, que todo cuidado era pouco ao se arrancar a raiz da terra, pois seu grito lancinante levaria a pessoa à morte. Entendidos em botânica e magia da Idade Média ensinavam como se driblar esse risco. Não era lá muito simples. Segundo o tratado conhecido como Tacuinum Sanitatis, o modo mais seguro de colher a mandrágora seria amarrar a ponta de uma corda nela e a outra ponta no pescoço de um cachorro com bastante fome. Depois, à distância, a pessoa deveria tampar seus ouvidos com cera e oferecer um belo naco de carne ao bicho – que, ao correr para pegar a comida, arrancaria a raiz da terra. Melhor fazer essa operação em noite de lua cheia, opinavam os sábios do período. E era bom o dono se desapegar de seu mascote: o cão inevitavelmente morreria com o grito da raiz endiabrada.

Mandrágora
Ilustração de Mandrágora com forma humana (Istock/Getty Images)

Para extrair toda a potência mágica da mandrágora, outro manual recomendava que se colhesse sua raiz numa noite de segunda-feira, durante a lua cheia. Em seguida, a raiz deveria ser mantida num local escuro e banhada por trinta dias com leite de vaca que tivesse sido usado para afogar três morcegos. Na 31ª noite, a raiz deveria ser secada em um forno aquecido com ramos de outra erva conhecida por suas propriedades curativas, a verbena. Depois, era só embrulhar a mandrágora num trapo de roupa de um homem morto e usá-la como talismã poderosíssimo.

A mandrágora era tida como veneno, afrodisíaco, ingrediente infalível para a amarração de casais, bem como para fazer e afastar mandingas, expulsar demônios e estabelecer contato com entidades místicas. Em alguma medida, a planta real dá razões para as pirações. Originária da região do Mediterrâneo e pertencente à família das solanáceas, a mesma do tomate e da berinjela, ela é rica em alcaloides potentes que provocam alucinações, delírios, aumento do apetite sexual e perda de consciência. Se ingerida em certas dosagens, pode causar até a morte por asfixia. Acrescente-se a essas propriedades químicas o fato de sua raiz bifurcada lembrar o formato de um corpo humano com pernas, braços, rosto e órgão sexual – e pronto: está dado o fermento para tantas crendices.

Mandrágora
Mandrágora de verdade: você encararia esse almeirão esquisito? (Istock/Getty Images)

Mas voltemos ao começo do post. Ao vislumbrar a mandrágora de perto, ela parecia apenas mais uma dentre as diversas ervas simpáticas e prosaicas cultivadas no jardim do Cloisters. Revelava-se, inclusive, menos chamativa que a maioria: uma coisinha meio atarracada, que lembrava um pé de almeirão, com discretos frutos semelhantes ao nosso jiló. Ainda assim, um horda de turistas (eu incluso) parava para fotografá-la. Nem me animei, contudo, diante da possibilidade de arrancar sua raiz da terra. Havia seguranças do museu de olho. Pior: não havia nenhum cachorro ou pedaço de corda por perto. Você se habilitaria?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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