A volta por cima do tão esnobado limão caipira
O limão mais comum no país passou de primo-pobre dos cítricos a ingrediente gourmet. Aprenda a fazer um bolo saboroso para aproveitar a alta safra da fruta
“Mas aqui tem limoeiro de verdade?” Hoje me recordo com ironia dessa pergunta tão ouvida no sítio durante a infância e a adolescência. Por muito tempo, toda vez que se falava em limão, as pessoas se deslumbravam com o siciliano, com sua acidez delicada e nobreza europeia, estampada em sua vistosa casca amarela e formato de limão perfeito. Ou o taiti, pela facilidade e maximização de uso: muito caldo, nenhuma semente e casca finíssima. Ou, ainda, o galeguinho, que é miúdo, caudaloso e ideal para uma caipirinha.
Mas ninguém dava muita bola para o mais comum dentre todos os limões no Brasil, que está em plena safra neste momento do ano: o cravo. Ele também é chamado de rosa, caipira ou limão-cavalo. O último nome ilustra as duas características típicas dessa fruta cítrica. É cavalar a rusticidade da planta que veio da Ásia lá pelo século XVII e por aqui se tornou quase uma espécie naturalizada, capaz de crescer e frutificar inclusive no meio das capoeiras tropicais. Mas o apelido equino vem de seu uso mais comum: de tão impetuoso, esse limão serve de porta-enxerto para praticamente todas as variedades de cítricos plantadas no país.
Antes, aquele limão amarelo cheio de pintas e manchas irregulares era desprezado e apodrecia aos pés da própria árvore. Agora, o limão-cravo deu a volta por cima: graças à ascensão de uma nova geração de chefs empenhados em garimpar e resgatar os ingredientes do interior do Brasil, virou ingrediente gourmet de caipirinhas, doces e pratos salgados.
Ao menos num ponto, o que se fala sobre o limão-cravo é verdade. O Citrus x limonia não é um limão propriamente dito, como o siciliano e o galego (nessa falta de pedigree, aliás, está acompanhado do taiti – que, tecnicamente, é uma lima cítrica). Ele é um cruzamento do limão, possivelmente, com a mexerica (ou tangerina). O que explica seu tamanho avantajado, a profusão de caldo e a polpa alaranjada com gomos bem definidos.
Nem a ascensão gourmet eliminou, no entanto, o drama do desperdício. O limão-cravo produz tanto, e de uma só vez no ano, que é preciso muita criatividade para dar conta da oferta de frutas de uma única árvore. Além de sucos, temperos de churrasco e caipirinhas, há um doce tradicional feito com sua casca. Mas confesso que o processo todo é tão complexo e trabalhoso que não me arrisco.
Mais fácil, e não menos prazeroso, é preparar um belo bolo caipira de limão-cravo. E a simplicidade, aí, não tem preço: como ocorre nas melhores aventuras culinárias, valorizar o ingrediente natural que se tem à mão é sempre incomparável. Confira esta receita básica:
MASSA
3 ovos
100g de manteiga ou margarina culinária
1 copo de iogurte natural
Raspas de dois limões-cravos
Suco de um limão-cravo grande (ou um e meio pequenos), sem sementes
1 e 1/2 xícara de açúcar
2 xícaras de farinha de trigo
1 pitada de sal
1 colher de sopa de fermento químico
PREPARO
Bata bem os ovos, o caldo de limão, a manteiga, o iogurte e o açúcar no liquidificador. Misture a farinha, o sal, as raspas de limão e o fermento em uma vasilha. Despeje a mistura do liquidificador na vasilha e mexa bem. Coloque em uma forma média ou alta e leve ao forno por 30-35 minutos a 180 graus.
COBERTURA (opcional)
Misture caldo de um limão com açúcar até produzir um creme grosso. Com uma colher ou pincel, passe a mistura sobre o bolo logo após retirá-lo do forno.