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“The Last Kingdom”: como “GoT”, só que melhor

Veracidade histórica e narrativa que fisga são os trunfos desta ótima série para os medieval-maníacos

Por Isabela Boscov 18 out 2017, 18h36

Com um pouco menos de ação do que Vikings e produção um tantinho mais econômica, mas com fidelidade histórica consideravelmente maior, The Last Kingdom é um prato cheio para os medieval-maníacos, como eu: com a primeira temporada disponível na Netflix e a segunda para estrear no History Channel na terça-feira 24 de outubro, às 21h45, a história de Uhtred de Bebbanburg, o herdeiro traído pelo tio canalha, salvo da morte por dinamarqueses e então criado como filho adotivo do rei viking Ragnar é tão fantástica que quase só faltam nela os dragões – mas, em certo sentido, é muito mais legal do que Game of Thrones porque ei, foi mais ou menos assim mesmo que tudo se passou. O escritor inglês Bernard Cornwell, em cuja coleção As Crônicas Saxônicas a série se baseia, entende do riscado: Cornwell é historiador amador, mas sério, que pesquisa a fundo e em detalhe. E que, muito importante, é ótimo de narrativa, desses que fisgam você e não largam mais. (Cornwell, um velhinho de olhos azuis faiscantes e cachimbo pendurado entre os dentes, também trabalha feito um condenado: tem dezenas de livros publicados. Entre os meus favoritos estão os para lá de vinte livros da série Sharpe, sobre um tenente inglês nas Guerras Napoleônicas.)

The Last Kingdom
(KVH Media/Divulgação)

Curiosamente, Uhtred, interpretado por Alexander Dreymon de maneira inicialmente não muito segura, mas que depois ganha em firmeza e confiança, é um personagem fictício. É inspirado em dois Uhtreds famosos, um do século 10 (Uhtred de Derbyshire) e outro do século 11 (Uhtred de Northumbria), mas Cornwell o criou da forma como ele aparece aqui para ser o fio condutor de um história que, de outra forma, poderia resultar dispersa: a das incessantes invasões vikings aos reinos de Wessex, Mercia, Northumbria etc. – que depois constituiriam a Inglaterra –, no século 9, a maneira como essas invasões foram virando ocupações e os esforços dos saxões nativos da ilha (que já haviam derrotado outras tantas tribos nativas para se impor) para expulsar os “bárbaros”. Uso bárbaros entre aspas porque aqui todos se acusam uns aos outros de serem selvagens e desconsideram o fato de que não são nadinha melhores. Basicamente, portanto, é uma história de assimilação e incorporação – às vezes a contragosto, outras vezes nem tanto.

The Last Kingdom
(KVH Media/Divulgação)

Assim como Uhtred, que nasceu saxão, virou viking de coração e então voltou à sua terra natal, onde se viu obrigado a servir um rei cristão – o ardiloso e algo deprimido Alfred de Wessex, interpretado pelo ótimo David Dawson –, a Inglaterra é o interessantíssimo fruto dessa polinização cruzada (o amigo mais devotado de Uhtred é o frei Beocca – o maravilhoso Ian Hart –, que não está nem aí para o fato de que Uhtred se recusa peremptoriamente a virar cristão). É fruto, também, da disputa feroz entre os reinos saxões para ver quem é que consegue mandar nos demais. E Alfred de Wessex, pintado na série como um estadista frio cujo sangue em certas ocasiões ferve sob a pele de maneira dissimulada, é o principal postulante a unificador do reino: irmão do rei morto de Wessex, tirou seu sobrinho dissoluto da linha de sucessão e se serve do temperamento leal de Uhtred de maneira cruel. Alfred sabe que o maior desejo e direito de Uhtred é voltar a Bebbanburg, matar seu tio usurpador e reassumir suas terras e seu título. Mas o manipula sem a menor vergonha, sempre deixando essa possibilidade no horizonte – e sempre afastando o dia em que ela poderá se concretizar.

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The Last Kingdom
(KVH Media/Divulgação)

É uma ideia genial a invenção desse Uhtred, porque por meio dele Cornwell e os criadores da série podem passear por todos os conflitos, guerras, batalhas e dramas do período (e como há guerra, e como há drama). Embora a produção seja mais econômica que a de Vikings, como já mencionei, ela é atenta: outro forte da série são os ambientes, as cidades – uns vilarejos barrentos, na maioria – e os costumes. A segunda temporada termina em nota altíssima, com um enfrentamento de arrepiar entre vikings sanguinários, vikings que estão pensando em casar e constituir família, saxões malevolentes, saxões honrados e uma mulher como pivô da coisa toda. Mas quem chegar até lá vai ter de controlar a ansiedade: deve haver uma terceira temporada em 2018, mas ainda estão rolando as negociações entre a BBC e a Netflix – e é possível que esta venha a assumir a produção na íntegra. Enquanto isso não se decide, a data de estreia fica em aberto, assim como os próximos passos dos protagonistas.

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