“Stan e Ollie”: ver o Gordo e o Magro em ação é um prazer irresistível
Atuações brilhantes e a combinação bem dosada de alegria e melancolia são homenagem justa à dupla cômica dos anos 20 e 30

Quando eu era bem pequena, era comum os cinemas de bairro de São Paulo (que sumiram faz tempo) passarem fieiras de curtas e médias-metragens nas matinês de fim de semana (igualmente sumidas). Valia tudo, de bangue-bangue a desenho animado, desde que no meio houvesse também muita comédia – principalmente Charles Chaplin, Harold Lloyd, Buster Keaton e o Gordo e o Magro. As cópias eram riscadas, a criançada fazia uma bagunça terrível, entrava-se e saía-se à vontade no meio da sessão, comia-se Drops Dulcora e Mentex até dar enjoo. Enfim, era uma festa. E calhou de ser também uma bela escola, já que esses comediantes que começaram (e em alguns casos terminaram) no cinema mudo, vindos do velho teatro de variedades, eram autênticos gênios. Eu e meu avô, que me levava às matinês, adorávamos o Gordo e o Magro. E, assistindo a Stan e Ollie, que aqui estreou direto nas plataformas digitais (NOW, Google Play, AppleTV), entendi o porquê: há tempo eu não ria com tanta felicidade quanto ri vendo Steve Coogan (absolutamente brilhante no papel de Stan Laurel, o Magro) e John C. Reilly (muito bem como Oliver Hardy, o Gordo) recriarem cenas de filmes e números clássicos da dupla.

Vidas de comediantes quase invariavelmente são melancólicas ou mesmo trágicas; à exceção de Oliver Hardy, que veio de família rica, todos os citados acima saíram desde a miséria (como Chaplin e os irmãos Marx) até a pobreza respeitável, como Lloyd, Keaton e Stan Laurel. Todos começaram a trabalhar na infância, e o sucesso da vida adulta pouco fazia por espantar os fantasmas passados – pelo contrário, essa geração de comediantes-cineastas autodidatas criou como se os tempos ruins estivessem sempre nos seus calcanhares. E o fim de carreira em geral também era uma deprê: caía-se no esquecimento, muitas vezes sem dinheiro (era comum os estúdios ficarem com quase tudo e pagarem só um salariozinho aos astros). De foma que Stan e Ollie, ao mesmo tempo em que é divertidíssimo, é bastante triste também: começa em 1937, quando eles estavam no auge do sucesso mas se separaram por causa de uma briga com seu produtor, Hal Roach – que foi quem primeiro teve a ideia de juntar seus dois funcionários numa dupla –, e corta para 1953, quando eles voltam a se reunir numa turnê por teatros decadentes do interior da Inglaterra, na esperança de conseguir financiador para mais um filme.

São semanas de muito desencanto, alguns momentos em que eles conseguem reviver a alegria dos velhos tempos e uma boa quantidade de ajuste de contas: Laurel foi sempre o motor criativo da dupla – era ele quem inventava, escrevia e dirigia, embora não ficasse com o crédito –, e Hardy, apesar do temperamento dócil e um tantinho preguiçoso, sentiu-se sempre subvalorizado. Ambos chegam cheios de ressentimento para esse bis na carreira, e trocam farpas e acusações, e rompem e reatam, como se fossem um velho casal, numa dinâmica que suas respectivas mulheres replicam tal e qual (Shirley Henderson e principalmente Nina Arianda, de Goliath e Billions, que faz a mulher russa e despachada de Laurel, estão matadoras em seus papéis). Essa, aliás, é a beleza que fica do filme: a maneira como, da mesma forma que em um casamento, Laurel e Hardy se amam mas às vezes não se suportam, querem largar um do outro mas sabem que são muito melhores – como homens, inclusive – quando estão juntos, e criticam-se mutuamente mas não toleram que alguma outra pessoa faça qualquer reparo ao companheiro. É um caso de amor e de fidelidade e, mais do que tudo, de uma genialidade que só se completa e se realiza plenamente a dois. Na direção cuidadosa mas singela do escocês Jon S. Baird, Stan e Ollie é um prazer simples, mas intenso e genuíno. Veja os dois no palco, caia na risada como se fosse criança e constate que não é a toda hora – bem ao contrário – que uma mágica como essa acontece.
Trailer
STAN E OLLIE: O GORDO E O MAGRO (Stan & Ollie) Inglaterra/Canadá/Estados Unidos, 2018 Direção: Jon S. Baird Com Steve Coogan, John C. Reilly, Nina Arianda, Shirley Henderson, Danny Huston, Rufus Jones |