“Contágio” e além: as pandemias no cinema e na TV
Filme de Steven Soderbergh, agora um sucesso no streaming, ainda é o melhor desse subgênero, mas há outros thrillers disponíveis

Steven Soderbergh bolou Contágio segurando no rabo do foguete que foi a pandemia de 2009 de H1N1, ou gripe suína: e se o vírus fosse ainda mais agressivo, com uma taxa de mortalidade ainda mais alta? Quando vi o filme no cinema, em 2011, alguém tossiu de leve na saída da sala, e no ato uma clareira se abriu em torno do sujeito pigarreante – o pânico, de fato, é contagioso, e um dos temas do thriller muito bem construído (e com pesquisa de muita qualidade) de Soderbergh é justamente como o medo pode ser tanto inimigo quanto aliado numa situação dessas, dependendo de como as autoridades se conduzem. Esse é o ponto em que, visto hoje, Contágio deixa saudade: a negação inicial da China, a atrapalhação com que a Itália começou seu combate à doença e o pouco-caso irresponsável de Trump, de Bolsonaro e dos aiatolás iranianos demonstram na prática que governos que batem de frente com a ciência podem ser ainda mais perigosos para a saúde e para a economia que os vírus.
Minha surpresa: só quando comecei a fazer o levantamento para este post me dei conta de como é pequeno o subgênero dos filmes e séries sobre pandemias quando se excluem da lista os apocalipses zumbis, que ao menos por enquanto não têm correspondente na realidade, e fica-se só com os vírus verossímeis. Tive também uma decepção: não encontrei em nenhuma plataforma um clássico absoluto do gênero, o sensacional O Enigma de Andrômeda, de 1971. Abri um item para ele porque, afinal, ele ainda pode ser encontrado naquela coisa antiga que é o DVD – e porque merece muito ser visto.
Começando então com Contágio, aí vai a listinha:
Contágio
Onde assistir: HBO, Looke, NOW, Google Store
Steven Soderbergh é um diretor tão cheio de artimanhas que, em Contágio, ele faz de um tema típico do cinema B a matéria-prima de um filme A por excelência: uma especulação ágil sobre as ameaças de pandemia que volta e meia irrompem no mundo e sobre o pânico que elas engendram. Começa-se, aqui, no “dia 2”: na sala de espera de um aeroporto, onde faz escala na volta de Hong Kong, Gwyneth Paltrow tosse e parece febril. Horas mais tarde, em casa, ela vai ter convulsões. E, nesse intervalo, terá contaminado várias pessoas mais com o vírus novo e ultra-agressivo que carrega em seu organismo. Lá pelo “dia 180”, os mortos estarão sendo contados às dezenas de milhões, a despeito dos esforços de cientistas e de agências como o Centro de Controle de Doenças americano para conter a propagação da epidemia e desenvolver uma vacina. Duas outras coisas, porém, comparam-se em poder de destruição ao vírus que surgiu da combinação fortuita entre o material genético de um porco e o de um morcego, em algum lugar da Ásia, no misterioso “dia 1”. A primeira delas é a resistência inicial a alarmar populações que já se apavoraram além do necessário com as gripes suína e aviária. A segunda é a onda devastadora de pânico – e então de degradação econômica e institucional – que se levanta quando fica claro que o perigo é gravíssimo. A escalada não é fruto da imaginação do diretor: foi elaborada com o auxílio de consultores como o virologista Ian Lipkin, da Universidade Colúmbia. Como gosta Soderbergh, portanto, Contágio é um amálgama de gêneros díspares trabalhando um em favor do outro. É thriller, é comentário político, é filme-catástrofe e é um jogo – uma espécie de Traffic com um vírus no lugar das drogas, ou Onze Homens e Um Segredo com infectologistas no lugar de ladrões de cassino.

Flu
Onde assistir: Netflix
O ponto de partida já é excelente: a contaminação de uma cidade próxima a Seul com uma forma de gripe hemorrágica começa em um contêiner lotado de trabalhadores traficados do Sudeste Asiático – todos já mortos, exceto por um rapaz que está muito mal mas, apavorado, consegue fugir. Dali para diante, a progressão hiperexponencial da doença se combina à hesitação do presidente sul-coreano e à truculência do Exército, criando pânico descontrolado. Aproveitando a moda de Parasita, confira este exemplar do segundo escalão do cinema coreano – menos brilhante, mas também ele exuberante e imprevisível.

Pandemia
Série em 6 episódios
Onde assistir: Netflix
Só incluo esta série documental na lista para dizer: cuidado. O objetivo aqui é muito mais fazer alarmismo do que divulgar ciência, começando pelas comparações disparatadas com a mortalidade da Gripe Espanhola de 1918 – quando nunca ainda um vírus havia sido visto em microscópio, quando não existiam antivirais e quando os protocolos dos profissionais de saúde eram rudimentares.

Epidemia
Onde assistir: Netflix
Muito dinheiro, grande elenco (Dustin Hoffman, Morgan Freeman, René Russo) e bastante pretensão não garantem verossimilhança, e o roteiro deste filme do diretor Wolfgang Petersen, de O Barco – Inferno no Mar, tem mais furos científicos e protocolares que uma peneira (um só exemplo de batatada: os pesquisadores passam por esterilização antes de entrar na área contaminada, como se isso servisse para alguma coisa). A recomendação, portanto, é descartar todos aspectos pretensamente instrutivos e ficar só com o lado thriller do filme, em que os cientistas militares Hoffman e René tentam conter a irrupção de um vírus letal numa cidadezinha californiana, iniciada por um macaquinho selvagem que um sujeito muito tonto contrabandeou do Congo. Pronto, não vou resistir a destacar outra batatada: o macaco capuchinho é da América do Sul e América Central, e não existe na África.

Containment
Minissérie em 13 episódios
Onde assistir: na Amazon americana
Os italianos cantam nos balcões de casa para espantar os males da quarentena do coronavírus. Mas, nesta ficção, em Atlanta, na Georgia, o fechamento súbito de um setor da cidade para conter um surto mortal instaura um clima de guerra civil. Abandonados à própria sorte, sem comida nem qualquer outro recurso, com as comunicações cortadas e com os rifles dos soldados voltados para a sua cabeça como prevenção a tentativas de fuga ou insubordinação, os isolados vivem um inferno – que não demora a ser agravado por uma suspeita terrível, a de que o vírus pode ter sido criado justamente pelos que deveriam controlá-lo. É um típico programa B, que não escapa dos clichês, mas é sólido e envolve.

O Enigma de Andrômeda
Onde assistir: em DVD
A virada dos anos 60 para os 70 foi uma das fases mais elegantes da ficção científica. Exemplo em questão: esse filme do versátil Robert Wise (de A Noviça Rebelde) sobre um microrganismo que despenca sobre a Terra e mata quem entra em contato com ele. Só duas pessoas sobrevivem à exposição: um bebê e um velho alcoólatra. O que eles têm em comum é o que um pequeno grupo de cientistas tenta descobrir, num ultra-secreto laboratório subterrâneo. Em vez de explosões e efeitos, o que Wise oferece aqui é a tensão dos silêncios, esperas e perguntas sem respostas. É ela que, combinada ao visual criterioso, faz de Andrômeda um programa que prende a atenção até das plateias inquietas de hoje.
