
Os grandes vencedores da noite? Leo DiCaprio – e Chris Rock

Sabe quando você pode ter certeza que é um monstro sagrado? Quando não mandam a música cortar o seu discurso de agradecimento no Oscar. LEONARDO DiCAPRIO, afinal premiado na sua sexta indicação ao prêmio, por O Regresso, subiu ao palco aplaudido de pé e foi um dos pouquíssimos beneficiados na história da cerimônia por essa quebra de protocolo reservada apenas para momentos muito especiais. DiCaprio foi de elegância exemplar no discurso – inclusive por não se aproveitar da colher de chá e se estender só um pouquinho, não um poucão. Chamou Tom Hardy de “meu irmão nesta empreitada”, cobriu Alejandro Iñárritu e Emmanuel Lubezki de elogios e agradeceu a todos que o ajudaram desde o início: mencionou particularmente Michael Caton-Jones, que deu a ele seu primeiro papel no cinema (em O Despertar de um Homem, de 1993), e Martin Scorsese, com quem fez cinco filmes desde 2002. Finalmente, falou de forma muito sucinta sobre a sua grande causa – lembrou que 2015 foi o ano mais quente já registrado no planeta, que milhões de desprivilegiados serão os mais afetados pelas mudanças climáticas em curso, e disse que não é mais possível não se importar com o problema. E muito obrigada – tudo em 2 minutos e 20 segundos. DiCaprio sabe que ganhou o Oscar não especificamente por O Regresso, mas sim por todas as vezes em que não foi premiado antes, e por isso homenageou Scorsese. E queria aproveitar a tribuna para falar de mudanças climáticas, mas achou uma maneira breve, pessoal e sincera de fazê-lo. E, sim, estava genuinamente emocionado, mas se controlou e não se derramou. Ou seja: não basta ser um monstro sagrado; é preciso comportar-se como tal também.

E, falando em comportamento, o do apresentador CHRIS ROCK não poderia ter sido melhor. Acho Chris Rock um dos maiores comediantes americanos, pelo dom que ele tem de “deixar cair” a parte mais contundente da piada, como quem não quer nada. Nas piadas dele, e especialmente no monólogo de abertura da cerimônia, sobrou para todo mundo. Sobrou, por exemplo, para os xiitas liderados por Spike Lee e Jada Pinkett Smith que saíram gritando contra a falta de indicados negros. Por que ninguém protestava contra os #OscarsSoWhite nos anos 50 ou 60?, perguntou Rock. A resposta que ele mesmo deu: “Estávamos ocupados demais sendo estuprados e linchados para nos preocupar com quem iria ganhar melhor fotografia”. “E Jada boicotando o Oscar é como eu boicotando a calcinha de Rihanna – não fui convidado”. Mas sobrou também, e bastante, para Hollywood. Depois de brincar que este ano a seção In Memoriam mostraria só “negros que foram assassinados pela polícia a caminho do cinema”, Rock falou sério, e bem. O que os atores negros querem, disse ele, são as mesmas oportunidades dadas aos atores brancos. Leonardo DiCaprio tem um bom papel para fazer a cada novo ano; e é isso que os atores negros querem, bons papeis sempre, não só uma vez na vida outra na morte.

E SYLVESTER STALLONE foi ao salão de bronzeamento e se alaranjou todo especialmente para a festa, mas saiu de mãos vazias. Essa reviravolta não havia como adivinhar. Eu, pessoalmente, fiquei felicíssima com a vitória do inglês MARK RYLANCE na categoria de ator coadjuvante. O discurso de agradecimento de Rylance foi encantador. Para quem não sabe, ele é um ator ultra-mega respeitado na Inglaterra, mas se mostrou de uma humildade e sinceridade adoráveis. Sabe aquela velha história de “com quatro competidores assim, eu não merecia este prêmio”? Rylance deu um toque todo novo a ela. Disse que achava um mistério que alguém pudesse escolher um entre os cinco indicados – e um mistério maior ainda que, entre tantos desempenhos fabulosos que acontecem ao longo de um ano, alguém conseguisse escolher apenas cinco. E ainda foi extremamente carinhoso com Steven Spielberg e com Tom Hanks.

Modéstia à parte, cantei a virada de SPOTLIGHT algumas horas antes da festa, em um post aqui no blog. Um leitor me fez uma pergunta muito pertinente: por que rolam essas variações de humor na última hora se as cédulas já foram entregues pelos votantes vários dias antes? A resposta: não sei ao certo de onde vêm essas vibrações finais, mas o fato é que elas ficam no ar. E digo mais: se as cédulas preenchidas tivessem sido devolvidas à Academia dois ou três dias depois do que foram, ALEJANDRO IÑÁRRITU possivelmente teria perdido seu Oscar de direção por O Regresso para… aí é difícil saber, ia ser um buquê de noiva jogado entre Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack), Tom McCarthy (Spotlight) e George Miller (Mad Max). Por que digo isso? É só reparar na frieza com que a plateia reagiu à vitória de Iñárritu. Essa é uma onda que estava prestes a virar, sim. E só para terminar: ora, seu Iñárritu, o senhor não precisa ficar discursando longamente em cima da música, né. O senhor já tem à sua disposição uma tribuna e tanto – os filmes que faz. Ficar empatando a cerimônia de teimoso é muito feio.

Sobre a vitória de SPOTLIGHT: muita gente torceu o nariz para o Oscar de melhor filme, e não tiro a razão de quem ficou decepcionado. Eu já disse aqui que o empolgante no filme é o jornalismo que ele mostra, não o filme em si. Mas entendo o raciocínio de quem votou nele. É mais ou menos assim: o cinema americano hoje está dividido em duas trincheiras – megaproduções (em geral com super-heróis) de um lado, produção independente de orçamento bem modesto do outro. O espaço entre esse extremos virou uma espécie de terra de ninguém, e as histórias que antes o ocupavam foram parar nas séries de TV. Votar em Spotlight é uma maneira simbólica de reivindicar esse tipo de tema “adulto” de volta para o cinema. Vai ter algum efeito prático? Não. O filme era merecedor do maior prêmio? Também não.

O que eu quero dizer é que não adianta chorar sobre leite derramado, claro, mas insisto: ao não dar o prêmio de melhor filme para MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA, a Academia perdeu uma grande chance de fazer história. Perdeu, sobretudo, uma chance de encontrar uma firmeza e um arrojo que lhe cairiam muito bem em um ano em que a polêmica racial desacreditou de tal maneira o Oscar. Esse preconceito com filmes de ação é velho e rançoso, e neste caso a Academia tinha ainda o respaldo de inúmeras premiações de críticos que elegeram Mad Max o melhor filme do ano. Nessa busca por “relevância” que jogou Spotlight e O Regresso para a dianteira da disputa, foi exatamente isso que a Academia acabou perdendo: a possibilidade de se provar relevante.
