Providências eram necessárias e urgentes: há mais de uma década a audiência da festa do Oscar só faz despencar e, mais recentemente, a premiação vive sob ataque por ser branca demais, sexista demais, conservadora demais, plural de menos. Desde que o streaming se universalizou, além disso, a estatueta viu diminuir dramaticamente um de seus maiores atrativos: se antes era líquido e certo que um punhado de indicações fazia a bilheteria de um filme disparar, agora só filmes que ainda precisam ser descobertos por uma parcela do seu público beneficiam-se desse tipo de impulso de maneira significativa. Vendo sua influência definhar – entre os millennials, ela mal existe –, a Academia fez um esforço enérgico. Mudou regras, apertou a vigilância e, no último par de anos, passou de 6 000 e poucos membros para 8 000 e muitos, na maioria recrutados entre realizadores mais jovens, mais arrojados e de outras nacionalidades que não a americana. Tanto a Academia fez, enfim, que conseguiu: para sua própria surpresa, na noite de ontem, pela primeira vez nos seus 92 anos, ela entregou o Oscar principal para um filme de outra língua que não o inglês – e deu também ao sul-coreano Parasita os prêmios de roteiro, filme internacional e direção (apenas a segunda vez na história, desde Roma, do ano passado, em que um diretor foi premiado por um filme falado em outro idioma). Até a festa começar, era consenso entre os presentes que o Oscar para 1917 e para seu diretor, Sam Mendes, era barbada. Três horas depois, quando Jane Fonda subiu ao palco com o último envelope, a plateia inteira já estava segurando a respiração: com a estatueta de diretor na mão, Joon-ho Bong repentinamente despontara como favorito.
Ficou todo mundo de queixo caído quando Jane anunciou Parasita como vencedor. Ao contrário do que se imagina, a Academia não faz reuniões para combinar (em tese, seus membros não podem nem revelar uns para os outros seus votos, coisa que poucos obedecem), não instrui os votantes com diretrizes e está longe de ser um corpo homogêneo. O que ela mesma ainda não sabia é o tamanho da diferença de que esses 2 000 e tantos novos integrantes seriam capazes. Esse pessoal mais jovem acaba de provar sua força. Mas – sempre há um “mas” – ainda é cedo para dizer que tudo mudou e o jogo agora é outro. Não é todo ano que um filme estrangeiro formidável como Parasita vai vir comendo pelas beiradas, nem que vá contar com um diretor com a simpatia de Joon-ho Bong no qual amparar sua campanha. Também há que considerar a Terceira Lei de Newton, aquela que diz que “para toda ação, há uma reação igual e oposta”. A partir de hoje, começa o rescaldo, e ele não é favorável. Com 23,6 milhões de espectadores nos Estados Unidos, o Oscar 2020 registrou a audiência mais magra de sua história, e caiu feio na faixa dos 18-49 anos, exatamente aquela que interessa aos anunciantes. Não é com seu súbito surto de internacionalização que o Oscar vai recuperar o terreno perdido – nem com Billie Eilish cantando uma versão meia-boca de Yesterday ou com um ótimo, mas atrasado em quinze anos, show de Eminem. Na verdade, o que fica mais e mais claro é que esse terreno se foi de vez e para todo o sempre, e o Oscar vai pouco a pouco se reduzir a uma mera curiosidade.