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O Quarto de Jack

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 23h31 - Publicado em 17 fev 2016, 16h38

Neste candidato ao Oscar, uma história que chega a dar vertigem

Vai que você ainda não sabe nada da história – nem quem é Jack, nem por que ele tem um quarto, nem o que acontece no quarto em questão. Isso cria um problema: como é que eu vou explicar por que o filme é surpreendente sem estragar a surpresa?

Tentemos assim: surpresa não é exatamente a melhor palavra; “revelação” seria mais adequado, já que é terrível a situação que o filme do diretor irlandês Lenny Abrahamson retrata (e que, lá pela metade, será virada de ponta-cabeça). Jack, que tem 5 anos, e sua mãe, que tem uns 20 e poucos, moram num quarto de 3 x 3 metros, sem janelas, com uma claraboia no teto e uma porta com fechadura eletrônica. Jack não faz ideia de que é anormal viver assim. O mundo dele é completo: consiste de Quarto e tem Mãe, Cama, Relógio, Tapete, Armário (e, a certa altura, para enorme excitação dele, tem também Camundongo). Tudo com maiúsculas mesmo: como nunca viu outro exemplar de qualquer uma dessas coisas, Jack não tem compreensão do que seja um substantivo comum; todos, para ele, são nomes próprios. Jack, aliás, não imagina que “mãe” e “filho” possam ser palavras aplicáveis a um sem-número de mulheres e meninos. No seu mundo, só há Eu e Mãe.

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De forma que, quando Mãe começa a insistir na existência de um Lá Fora e explica que esse é um lugar em que cabem infinitas pessoas e objetos, Jack resiste, nega, se fecha: como qualquer criança pequena, ele é avesso a perturbações na sua ordem – e pressente que Lá Fora não é uma perturbação qualquer, mas uma revolução na ordem cósmica do seu universo, um rearranjo que vai pôr fim à sua singularidade e à exclusividade entre ele e Mãe. Nem ele nem sua mãe, contudo, imaginam o ataque aos sentidos que será sair de Quarto. Mas, graças ao talento de Jacob Tremblay (que estava com 8 anos quando filmou), a plateia consegue, sim, imaginar muito bem o seu atordoamento.

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Roteirizado pela escritora irlandesa Emma Donoghue a partir de seu próprio romance, O Quarto de Jack tenta imaginar como poderia ser a experiência real em que o livro se inspirou, de um caso muito noticiado. Mas o faz não do ponto de vista do adulto que tem de suportar o confinamento, e sim da perspectiva da criança para a qual ele é a única coisa conhecida – e então inverte seus elementos centrais a partir da metade da história. Como exercício teórico, já seria interessantíssimo; e imaginar que existem corrrespondentes concretos para essa experiência imaginada chegava a me causar vertigem enquanto eu lia o livro. Em uma entrevista curtinha que fiz por telefone com a atriz Brie Larson, aliás, ela disse que se recusou terminantemente a imaginar as coisas de que ela própria mais sentiria falta se estivesse no lugar da mãe, dentro do quarto, por achar que o papel se tornaria então insuportável. (Neste momento, Brie é favoritíssima ao Oscar, e O Quarto de Jack concorre também nas categorias de melhor filme, direção e roteiro.)

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Mas, se no livro a experiência sensorial de Quarto e de Lá Fora é o mais interessante, o filme privilegia outro aspecto: a turbulência emocional. E assim, na segunda metade, abre espaço para explorar o choque não só de Jack, mas também o de sua mãe, na sua tentativa de se ajustar a um mundo dos quais eles estavam ausentes – além do drama da família em receber de volta alguém que julgava perdido. Me fez lembrar um pouquinho aquela série francesa Les Revenants, em que pessoas mortas há anos ou décadas subitamente reaparecem vivas, do jeitinho que estavam antes de morrer: passado o primeiro momento de alegria em ter de volta um ente querido, o sentimento dominante é o de confusão – como abrir de novo um espaço que já estava totalmente fechado? No saldo final, porém, talvez o mais bacana de O Quarto de Jack seja sua visão do amor materno: uma coisa tão obstinada que, se para o filho ser feliz é preciso fazê-lo acreditar que o mundo é um quarto, Mãe não hesita em ensinar Jack a amar o que ela própria mais detesta.

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P.S.: Tenho ouvido teorias um bocado bizarras sobre o cabelo comprido de Jack. Calma com a imaginação, pessoal: por razões que logo são compreendidas por quem assiste ao filme, no quarto não há tesouras nem qualquer outro objeto cortante. Repare na faquinha de plástico vagabunda que Jack e Mãe usam quando estão preparando uma refeição. Impossível cortar cabelo com ela.

E outro P.S.: Vale a pena ver o filme anterior de Lenny Abrahamson, Frank – aquele em que Michael Fassbender fica o tempo todo com a cabeça enfiada em uma máscara. Saiu em DVD por aqui.


Trailer


O QUARTO DE JACK
(Room)
Irlanda/Canadá, 2015
Direção: Lenny Abrahamson
Com Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen, William H. Macy, Sean Bridgers, Tom McCamus
Distribuição: Universal
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