
Pego de surpresa, Keanu sem querer acaba interpretando
Às vezes eu passo dias a fio vendo filmes na esperança de achar um bom garimpo para o blog, e nada: não encontro nada que valha a pena recomendar e descarto uma opção atrás de outra. Este aqui, em compensação, foi a coisa mais fácil do mundo: estava lá no Netflix, estranhei nunca ter ouvido falar dele, fui conferir e tive uma grata surpresa. Não é que seja excelente; mas tem uma pegada tão marota, um elenco tão bom (Vera Farmiga e James Caan, para começar) e é tão simpático que me deixou no maior bom humor. O melhor de tudo: sem querer, Keanu Reeves acaba de fato conseguindo interpretar, o que não é ocorrência muito comum.
Só para esclarecer, não estou botando Keanu abaixo. Ele tem carisma e bom coração, e gosto tanto dele que tenho a maior consideração até por aquele jeito de quem esqueceu o que estava pensando. Henry, o personagem dele aqui, de início faz ótimo uso dessa cara. Funcionário de um pedágio em Buffalo, no norte do estado de Nova York, Henry vai de casa para o trabalho e do trabalho para casa sempre com um ar de quem não está em lugar nenhum; quando a mulher dele (Judy Greer) fala em ter filhos, Henry mal sabe onde se esconder – imagine ter de despencar na Terra assim, com um choque de realidade desses. Quando dois amigos (da onça) pegam Henry para ir a um jogo, ele descobre, tarde demais, que na verdade eles o estão usando como motorista de fuga em um assalto a banco. Lá se vai ele para a prisão, onde, sempre no mundo da Lua, faz amizade com Max (James Caan), um setentão que boicota todas as oportunidades de liberdade condicional porque adora morar atrás das grades.
Apenas quando sai da prisão e é atropelado por uma atriz mal-humorada em frente ao banco que nunca chegou a roubar é que Henry acorda de seu devaneio eterno: Julie (Vera Farmiga) passa a maior carraspana nele por se ter deixado atropelar – e como é que ele poderia não se apaixonar por uma mulher assim? Quando descobre que um velho túnel liga o cofre do banco ao teatro em que Julie está ensaiando O Jardim das Cerejeiras, de Chekhóv, Henry decide unir o agradável ao mais agradável ainda: namorar e finalmente cometer o crime pelo qual já pagou a pena. Tira Max da prisão, faz um acordo com o segurança do banco (Bill Duke, impecável) e, para poder reabrir o túnel em segredo, arruma um papel na peça. E é aí que o milagre acontece, não se sabe se por causa do diretor do filme, Malcolm Venville, ou se por causa do diretor da peça (o sueco Peter Stormare) e, claro, da maravilhosa Vera Farmiga (com quem ele tem uma química espetacular): nunca vi Keanu tão bem em um papel como no do arrivista social Lopakhin, que destrói o pomar e o coração da aristocrata Ranevskaya. Olha que o rapaz até que leva jeito.
A OCASIÃO FAZ O LADRÃO
(Henry’s Crime)
Estados Unidos, 2010
Direção: Malcolm Venville
Com Keanu Reeves, Vera Farmiga, James Caan, Fisher Stevens, Danny Hoch, Bill Duke, Peter Stormare, Judy Greer