
Nada é o que parece.
Rami Malek era um desses atores à espera da chance certa. E que chance fenomenal Mr. Robot é para ele: como quase ninguém na audiência sabe o que esperar de Malek, o criador da série, Sam Esmail, pode fazer dele, e do roteiro, o que bem entende, sem que nenhum de nós, ouvindo a hipnótica narração em voice-over de Malek, tenha a menor ideia a respeito da direção em que estamos sendo levados.
Dos muitos seriados e filmes já feitos sobre hackers, nenhum é tão cheio de conhecimento do assunto e tão preocupado com a verossimilhança quanto Mr. Robot. O criador Sam Esmail quer que a plateia acredite instintivamente no que está vendo quando os personagens se sentam à frente do computador e começam a escrever código ou furar firewalls – e consegue. Ainda bem, porque em Mr. Robot há uma enorme quantidade de cenas que envolvem código subindo pela tela do computador, e porque tudo, na trama, gira em torno de hacking: Rami Malek faz Elliot Alderson, um cara de TI como qualquer outro (embora particularmente rígido e associal) em uma empresa de segurança da informação que, no entanto, tem uma vida interior bizarra e intensa.
Elliot é viciado em morfina, porque sem ela suas alucinações paranóides seriam insuportáveis. Mesmo com ela, ele vive atormentado pela indecisão entre o que é real e o que é imaginado. Elliot acha que tem uma missão: acabar com a Evil Corp, a megacorporação que está metida em todas as áreas de atividade econômica em todos os lugares do planeta, e que exerce sobre cada cidadão uma tirania impessoal mas absoluta. A certa altura, Elliot é contactado por Mr. Robot (Christian Slater), um sujeito de boné que diz ter um plano para não só derubar a EvilCorp como também para deletar todos os registros – todos – financeiros: todas as dívidas, pessoais, empresariais ou governamentais, serão anuladas, e a civilização vai ter de começar do zero.
Não sei muita coisa sobre a carreira pregressa de Sam Esmail, mas uma coisa eu garanto: ele assistiu com lupa na mão a todos os filmes de David Fincher, e em particular a Clube da Luta. A luz fria e os ambientes corporativos que Fincher adora, as suas composições simétricas, os seus ângulos de câmera que deixam uma interação qualquer entre os personagens um nadinha de nada fora de esquadro, só para você sentir o quanto ela tem de sufocante ou claustrofóbica – o primeiro episódio de Mr. Robot em especial é uma homenagem de coração a Fincher, e uma homenagem muito bem feita.
Mas nem essa trama cheia de curvas fechadas nem a maneira habilidosíssima como Esmail concebe sua narrativa visual bastariam para tornar Mr. Robot excelente. O que põe a série lá em cima, o que faz com que se volte a ela episódio após episódio, é o trabalho de Rami Malek. Aos 34 anos e com um bom sortiento de papéis de coadjuvante, Malek talvez ainda seja mais familiar à plateia como o terrorista tristonho Marcos Al-Zacar de 24 Horas. Atores como Malek enfrentam uma série de dificuldades essenciais: sem beleza e carisma óbvios e sem um “tipo” ao qual possam ser imediatamente associados porque são talentosos e versáteis demais e cabem em qualquer personagem, esses atores, para acontecer, dependem de um cineasta ou show-runner que enxergue o potencial deles com mais nitidez do que a média dos recrutadores de elenco. Quando essa sorte vem (e para muitos, infelizmente, ela nunca vem), o que se tem é Mr. Robot. Ou então o episódio de ontem de The Walking Dead (Here’s Not Here, #6.4), em que John Carroll Lynch, com 52 anos e mais de cem créditos no cinema e na TV, finalmente ganhou a chance de mostrar durante quase uma hora e meia que ator magnífico ele é.
MR. ROBOT
A partir de hoje (02 novembro), de segunda a sexta-feira, às 21 horas, no canal Space