Indicado ao Oscar, ‘A Pior Pessoa do Mundo’ é uma pérola norueguesa
Como uma jovem que tenta lidar com todas as opções para não perder nenhuma delas, Renate Reinsve é a presença cintilante no filme
Julie (a maravilhosa Renate Reinsve) não sabe bem o que quer fazer da vida: primeiro é medicina, depois psicologia, depois fotografia — de forma que, enquanto a certeza não vem, o jeito é segurar o emprego em uma livraria. Também está apaixonada por este sujeito, e por aquele, e por aquele outro — até conhecer o quadrinista Aksel (Anders Danielsen Lie) e ir morar com ele. Mas Julie vai fazer 30, e Aksel tem 44. Ele quer pensar adiante; ela olha para os amigos dele, com suas neuroses conjugais e filhos que esperneiam na hora de dormir, e diz que ainda não. Sempre acometida pela angústia de perder opções hipotéticas ao escolher uma alternativa concreta, a protagonista de A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Mennekes, Noruega, 2021), já em cartaz nos cinemas, de novo se vê em uma suspensão que o diretor Joachim Trier materializa com a graça que é típica da própria Julie: enquanto Aksel está servindo a xícara de café matinal, ela congela o tempo e, correndo pelas ruas da cidade, vai ver Eivind (Herbert Nordrum), que conheceu em uma festa e com quem jogou um jogo de quase infidelidade. Na volta, com um estalar de dedos, o café continua a verter na xícara, o mundo retoma seu movimento e é como se nada houvesse acontecido. Exceto pelo fato de que algo aconteceu, e uma pessoa não passa pela vida de outra sem deixar e ganhar marcas.
Pela quinta vez colaborando com o roteirista Eskil Vogt, o norueguês Trier desenha um retrato genuíno do que alguém poderia definir como as ansiedades millennials (são tantas opções, e o mesmo equipamento emocional antiquado da espécie para lidar com elas). Mas vai muito além de um instantâneo: ao acompanhar quatro anos na vida de Julie e examinar por que eles, especificamente, formam uma etapa decisiva no seu amadurecimento emocional, Trier faz uma comédia com consequências, e a leva a desaguar em um drama dolorosamente real. Se o sempre fabuloso Lie — em sua terceira parceria com o diretor — é o anteparo contra o qual Julie se testa, e que só mais tarde ela entende ser menos robusto do que ela julgava, Renate Reinsve é o brilho do filme, esquivando-se de preconcepções e lugares-comuns sobre sua personagem com a mesma habilidade, leveza e minúcia com que a conduz à frente. Se depois de indicar Trier e Vogt em 2018, por Thelma, a Academia novamente faz justiça a eles, o Oscar por outro lado comete mais uma daquelas suas falhas flagrantes ao deixar Lie e particularmente Renate de fora da lista deste ano.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782
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