“Hotel Artemis”: como é bom ver Jodie Foster de volta
História futurista tem bom elenco e jeitão de graphic novel, mas desenvolvimento irregular
Na Los Angeles de 2028, criminosos feridos no cumprimento do, hmmm, dever têm lugar certo para se recuperar: o Hotel Artemis, uma espécie de clínica/fortaleza instalada no interior de um antigo e aparentemente abandonado edifício art déco do centro da cidade (e, sim, a ideia lembra muito a do hotel exclusivo para assassinos profissionais de John Wick, com seu excelente serviço de lavanderia, que remove até as manchas de sangue mais renitentes). No Artemis, a Enfermeira (Jodie Foster, desde Elysium, de 2013, sem trabalhar), uma senhorinha de passos miúdos e apressados, remenda a bandidagem com as últimas tecnologias médicas e o apoio digamos, muscular do seu assistente, Everest (Dave Bautista, que é mesmo uma montanha e tem ótima química com Jodie). O Artemis é um clube; só entra quem tem passe, como Waikiki (Sterling K. Brown, o ator que está em todas – todas mesmo), que levou um tiro enquanto assaltava um cofre com seu bando, aproveitando-se de um motim nas ruas da cidade por conta da privatização da água.
Está mesmo para chegar o dia em que a imensa e cada vez mais desidratada Los Angeles vai ter de privatizar a sua água, pela qual a Califórnia paga preço de ouro e se engalfinha em batalhas políticas com o Colorado e outros estados mais bem irrigados. Mas meio que se encerra por aí o futurismo de Hotel Artemis: estreia na direção de Drew Pearce, o roteirista de Missão: Impossível – Nação Secreta, o filme é aquele enredo clássico dos inimigos que se encontram todos no mesmo lugar (Sofia Boutella, Jeff Goldblum, Zachary Quinto etc. completam o rol), sem chance de fuga, num stand-off contido pela única pessoa da qual todos eles dependem – no caso, a eficiente Enfermeira. Em uma conversa, Drew Pearce, que é inglês e mora há oito anos em Los Angeles, me contou que ainda não deixou de achar a cidade um lugar exótico, onde o que é falso parece de verdade e o que é verdade às vezes parece cenário. Ele é, também, um aficionado dois muitos bons exemplos de art déco que ainda sobrevivem ali, e combinou de maneira esteticamente muito interessante essas inspirações arquitetônicas à trama noir – outro clássico angeleno –, apoiado pela excelente fotografia do sul-coreano Chung-hoon Chung, de Oldboy e A Criada. O resultado, com tons profundos de vinho e os enquadramentos dramáticos de Chung, ganha um jeitão apropriado de graphic novel (embora seja uma criação original de Drew Pearce).
O problema crucial de Hotel Artemis é que, afora a Enfermeira, nenhum dos personagens desperta grande curiosidade no espectador, e menos ainda envolvimento. A entrada de Jeff Goldblum eleva um pouco a temperatura; Goldblum anda numa fase excepcionalmente boa, de coadjuvantes muito marcantes, e seu Rei Lobo acena com crises no Artemis que, de novo, não chegam a se cumprir completamente (o apelido alude a John Phillips, do The Mamas & The Papas, que era chamado de “The Wolf King of L.A.” pelos hábitos incrivelmente predatórios e depravados). A aparição de uma figura ligada ao passado da Enfermeira, que apela ao lado sentimental dela com um pedido de socorro, é um desses erros típicos do roteiro americano também. Jodie Foster é uma atriz tão boa e tão inteligente na construção dos seus personagens, e vê-la em cena é um prazer tão grande, que não havia a menor necessidade de tentar “humanizar” a Enfermeira com um recurso desses: Jodie já vinha fazendo, por ela, tudo que é possível fazer. O que, no seu caso, é muitíssimo.
Trailer
HOTEL ARTEMIS Estados Unidos/Inglaterra, 2018 Direção: Drew Pearce Com Jodie Foster, Sterling K. Brown, Dave Bautista, Jeff Goldblum, Sofia Boutella, Zachary Quinto, Brian Tyree Henry, Jenny Slate, Kenneth Choi, Charlie Day Distribuição: Diamond |