Hoje é um bom dia para ver (ou rever)… Efeito Dominó
Um daqueles filmes de roubo como só os ingleses sabem fazer

Estou há tantos dias lamentando o resultado do referendo que decidiu pela saída da Inglaterra da União Europeia que hoje decidi parar de sofrer, e lembrar de uma coisa que os ingleses faziam (e às vezes ainda fazem) como ninguém: filmes de roubos baseados só na manha e esperteza, sem armas nem socos. Entre os exemplares vintage (como o clássico e delicioso Quinteto da Morte, com Alec Guinness), um dos meus preferidos é A Casa dos Brilhantes (no original, 11 Harrowhouse), de 1974, com James Mason e Candice Bergen – que, embora seja dirigido pelo americano Aram Avakian, é perfeitamente britânico no espírito.
Como nem sempre é fácil encontrar esses filmes antigões, indico aqui um similar contemporâneo de ótima safra: Efeito Dominó, que está disponível no Netflix, tem Jason Statham em muito boa interpretação no papel de um vendedor de carros usados que, para sair da pindura, topa planejar um roubo a banco, e descobre que talvez tenha abocanhado mais do que é capaz de engolir. Uma das coisas mais bacanas de Efeito Dominó é que ele se inspira em um caso real (e até hoje muito mal explicado) da crônica policial inglesa. A direção do australiano Roger Donaldson (dos impecáveis Sem Saída e Treze Dias que Abalaram o Mundo) é saborosa e fluente, a recriação da Londres do início da década de 70 é cheia de cor local e de tipos autênticos, o elenco é todo ele afinado, e o roubo – esse é sensacional.
Leia aqui a resenha que publiquei quando o filme foi lançado nos cinemas:
Ladrões civilizados
O ágil Efeito Dominó recupera o espírito dos velhos filmes de roubo a banco: esperteza sim, violência não
Um dos subgêneros (e ponha-se “sub” nisso) mais divertidos e prazerosos que o cinema já cunhou, o filme inglês de roubo dos anos 60 e 70 faz uma reaparição à altura de seus pontos fortes em Efeito Dominó. O mais curioso é que, com tudo que a trama tem de intricado e improvável, ela parte de um episódio muito nebuloso, mas real, da crônica policial britânica. A saber: em 1971, um grupo de ladrões pés-de-chinelo efetuou um espetacular roubo a uma filial londrina do Lloyds. Com planejamento muito superior ao que se suporia terem, os marginais alugaram uma loja próxima à agência, cavaram um túnel que passava sob outro imóvel, chegaram direitinho ao compartimento reforçado com concreto e aço dos cofres particulares e levaram quantia ainda hoje ignorada, mas que pode ter alcançado os 4 milhões de libras – em valores de hoje, o equivalente a 135 milhões de reais. Enquanto fazia tudo isso, o bando mantinha comunicação por walkie-talkies com um vigia postado no alto de um prédio. Suas conversas foram captadas, por acaso, por um radioamador, que avisou a polícia e disparou assim uma caçada: qual banco, afinal, estava sendo roubado? A polícia não descobriu a resposta a tempo e, na segunda-feira, quando se achou o Lloyds com as vísceras à mostra, a imprensa fez a festa. Mas só durante quatro dias. No quinto dia, todas as notícias a respeito sumiram misteriosamente dos jornais. Também não se sabe ao certo quais membros do bando foram presos, nem que pena eles cumpriram.
Essa seqüência intrigante de eventos é até hoje fonte de especulação para detetives amadores, entre os quais se podem incluir, com honras, os roteiristas de Efeito Dominó e o diretor Roger Donaldson. O filme começa por mostrar a irmã caçula da rainha Elizabeth, a princesa Margaret (1930-2002), divertindo-se de maneira algo escandalosa com dois rapazes em uma ilha do Caribe (Margaret era famosa por adorar uma balada). O episódio é fotografado por Michael X – esse também uma figura verídica –, que posava de militante da causa negra, mas vivia de operar uma rede de prostituição, chantagem e tráfico de narcóticos na Inglaterra. As fotos seriam o conteúdo explosivo do cofre do Lloyds, e o roubo, contratado pelo Serviço Secreto britânico junto a uma femme fatale (Saffron Burrows) e seus amigos, seria o recurso para recuperar as imagens e, ao mesmo tempo, despistar a imprensa, a polícia e o público.
Que o líder do bando seja interpretado por Jason Statham, o mais merecedor dos aspirantes a astro de ação contemporâneos, é uma das várias demonstrações da esperteza do filme. Statham tem físico de atleta, franqueza proletária e olhar vivo – uma combinação que sugere tanto força como inteligência e capacidade. É perfeitamente crível, assim, que seu personagem, um vendedor de carros usados de luxo que está com a corda no pescoço, seja capaz de executar o plano – e perceber que há algo nessa história que não lhe contaram, e que cheira a encrenca grossa. Acima de tudo, Efeito Dominó é uma homenagem atualizada (leia-se: rápida e ágil) ao espírito dos velhos filmes de roubo – uma celebração da astúcia e da civilidade, e uma repreensão aos maus modos de quem responde a essas qualidades com a violência.
Isabela Boscov Publicado originalmente na revista VEJA no dia 14/05/2008 Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A © Abril Comunicações S.A., 2008 |
EFEITO DOMINÓ (The Bank Job) Inglaterra, 2008 Direção: Roger Donaldson Com Jason Statham, Saffron Burrows, Stephen Campbell Moore, James Faulkner, Alki David, Daniel Mays, Peter Bowles, Keeley Hawes |