
Um filme B com nota A+
Agora que The Walking Dead segue, em sua sexta temporada, no seu processo de zumbificação, vale lembrar quem foi o sujeito que, em 2010, criou e lançou a série como um programa extraordinariamente original e contundente: o diretor Frank Darabont, que anos antes havia transformado um conto de Stephen King em um dos filmes mais duradouros das últimas décadas – o sempre delicioso e sempre comovente Um Sonho de Liberdade. Pois, em 2008, Darabont de novo pegou um livro de Stephen King e fez dele um filminho que é um filmaço: O Nevoeiro, que está dando sopa no Netflix. Enxuto, afiado, incisivo, muito bem filmado e estupendamente bem amarrado, O Nevoeiro foi pouco visto por aqui quando entrou em circuito comercial. Mas implora por uma segunda chance (ou terceira, ou quarta). Repare em Melissa McBride, a Carol de TWD, fazendo uma ponta.
Leia a seguir a resenha que eu fiz quando o filme foi lançado em 2008.
Um terror B, com orgulho
O Nevoeiro leva um enredo típico a um final implacável
Um golpe para os saudosistas: O Nevoeiro, baseado em um conto de Stephen King que já inspirara John Carpenter em A Bruma Assassina, de 1980, é em tudo superior ao original. Aliás, aos originais – ao texto de King e à versão anterior. Mérito total e inalienável do diretor Frank Darabont, que se mostra tão afiado quanto em Um Sonho de Liberdade, um desses filmes que nunca envelhecem e que era seu melhor trabalho até aqui. No enredo, um estranho nevoeiro, quase leitoso de tão denso, invade uma pequena cidade do interior. Dentro dele há algo capaz de mutilar e matar. Algumas pessoas conseguem se refugiar no supermercado local. Elas incluem uma fanática religiosa (Marcia Gay Harden, craque em retratar mulheres descontroladas), um funcionário conciliador (Toby Jones), um valentão (William Sadler) e, claro, um personagem que vai despontar como o líder natural desse grupo heterogêneo (Thomas Jane). Imediatamente, desenham-se desafios práticos, como cuidar dos feridos e reforçar as defesas, e outros intangíveis: como manter a calma e o sentido de colaboração, para que não se recaia em desgoverno e hostilidade.
De todos os gêneros clássicos, o terror sempre se mostrou o mais apto a destrinchar situações sociais e políticas extremas – porque, sendo barato e feito para consumo imediato, vive da oportunidade. E também, claro, porque o medo é uma das emoções humanas que quase só existem em estado bruto, trazendo à tona o pior e, às vezes, o melhor de cada um. O que torna O Nevoeiro tão bom é a clareza com que Darabont enxerga essas características. De um lado, ele não tenta elevar as pretensões de seu filme: esta é uma produção B, com orgulho. De outro, ele desdobra seu entrecho de forma rigorosamente lógica e, como se verá ao final, implacável. O protagonista obtém uma pequena vitória entre muitas derrotas; mas isso o conduz a uma decisão terrível que ele, sim, tomará. De todas as maneiras pelas quais um filme é capaz de estarrecer a platéia, Darabont tem a ousadia de escolher a mais intransigente. O desespero, aqui, nunca termina – e, por causa disso, também o filme deve ter vida longa entre os aficionados do cinema modestamente bem-feito e irredutivelmente inteligente.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 27/08/2008
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Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2008
O NEVOEIRO
(The Mist)
Estados Unidos, 2007
Direção: Frank Darabont
Com Thomas Jane, Marcia Gay Harden, Andre Braugher, Toby Jones, William Sadler, Laurie Holden, Jeffrey DeMunn
Onde: no Netflix