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Isabela Boscov

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Hoje é um bom dia para rever…O Espião que Sabia Demais

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 23h45 - Publicado em 9 jan 2016, 17h15

Isto, sim, é uma rede de intrigas.

Este sabadão nublado (pelo menos no Sudeste) me deixou com vontade de ver um filme de espionagem dos bons. Ou seja: filme inglês, com um monte de atores ingleses excelentes, sem gadgets e com muita intriga. Neste aqui, que está disponível no Netflix, todos os créditos são puro-sangue.

É uma adaptação de 2011 de um livro de John le Carré protagonizado pelo seu personagem mais fascinante, o espião de médio-escalão George Smiley. Quem dirige é o sueco Tomas Alfredson, que três anos antes havia feito um dos filmes de vampiro mais intrigantes e lúgubres que eu já vi, Deixa Ela Entrar (não, não estou falando da versão americana meia-boca com a Chloë Grace Moretz, mas do original sueco). E o elenco, começando por Gary Oldman e indo até Benedict Cumberbatch e Tom Hardy (que ainda não eram “Benedict Cumberbatch” e “Tom Hardy”), é de ofuscar. Veja a seguir a resenha que eu publiquei quando o filme foi lançado nos cinemas – e, no final dela, uma entrevistinha com Oldman.


O espião que voltou do frio

Gary Oldman brilha como George Smiley, o homenzinho inescrutável no centro de O Espião que Sabia Demais.

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Quando John le Carré começou a escrever romances de espionagem, em 1961, ele trabalhava ainda no Secret Intelligence Service, ou SIS, britânico (mais conhecido como MI6). A Guerra Fria fervia. E, com seu dom para captar a atmosfera de altas apostas, perigos terríveis e erros fatais em que viviam então os agentes secretos, Carré se consagrou como o maior dos autores do gênero e o mais esclarecido tradutor desse mundo à parte. No primeiro livro que Carré publicou, e em todos os outros seguintes, havia um personagem secundário recorrente: George Smiley, um homenzinho de aparência comum, meticuloso e lúcido, alocado no médio escalão da espionagem britânica – mas, justamente por causa da facilidade com que é subestimado, de grande talento para o ofício. Em 1974, depois de aparecer em quatro livros, Smiley ganhou o centro do palco: em O Espião que Sabia Demais, aposentado do SIS na esteira de uma barafunda armada por seu chefe no Leste Europeu, Smiley é convocado de volta para, operando à margem, “desenterrar” um agente duplo a serviço dos soviéticos – e que só pode ser um dos quatro homens que naquele momento ocupam o topo do SIS, ou O Circo, como é chamado por Carré.

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Com tudo que tem de descolorido, Smiley é um personagem capaz de despertar um interesse obsessivo no leitor: é um homem que nada revela, mas no qual se pressente um interior de cores e correntes fortes. Ele se provaria sedutor também para os espectadores. Vivido por Alec Guinness em uma minissérie da BBC de 1979, Smiley manteve a audiência em transe durante sete episódios, embora o máximo de ação em que se engajasse fosse limpar os óculos fundo de garrafa ou trocar um olhar com Peter Guillam, o agente que o acompanha na tarefa. Agora, Smiley acaba de ganhar uma reencarnação no cinema: em O Espião que Sabia Demais, outro magnífico ator inglês, Gary Oldman, enverga os ternos mal assentados de Smiley com a missão de transportar a plateia para o mundo drástico e inseguro de 1973, quando antecipar os lances dos soviéticos no xadrez da Guerra Fria era questão crucial de sobrevivência.

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Parte do que destacou Carré é a maneira sistemática como ele desmantelou a mise-en-scène de 007. Nada de garotas, pistolas, glamour, vilões exóticos: espionar, pregava o autor, consiste fundamentalmente em ter paciência, memória, método e desconfiança – enfim, decifrar quebra-cabeças, ou ser um burocrata com função (ao menos em tese). Assim, no filme dirigido pelo sueco Tomas Alfredson, de Deixa Ela Entrar, o mundo drástico e inseguro de 1973 é também deprimente, até nos tons enlameados escolhidos para a encenação: marrons mortiços, laranjas sujos e cinzas impessoais compõem os cenários em que Smiley e Guillam (o ótimo Benedict Cumberbatch) se movimentam discretamente à cata do traidor do Circo. Se alguém jogasse uma bomba no set de filmagens, o cinema inglês não se recuperaria tão cedo: entre nomes estabelecidos ou em ascensão, o elenco inclui ainda John Hurt, Colin Firth, Mark Strong, Ciáran Hinds, Toby Jones e Tom Hardy – além de uma breve e marcante aparição de Kathy Burke, uma das atrizes preferidas de Oldman, que a tirou da aposentadoria para este trabalho.

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Como suas contrapartes ficcionais, nenhum desses grandes intérpretes está aqui para chamar atenção para si: a especialidade de Carré, e também do diretor Alfredson, são as cartas viradas para baixo, a ameaça que se insinua mas não se mostra, o terror de que, por mais que se suspeite de todos, não se esteja suspeitando o bastante. Tanta amargura e desilusão – e um enredo tão intrincado, que pede concentração total do espectador – não são a matéria-prima da qual se fazem os entretenimentos passageiros, nem muito menos os sucessos de bilheteria. Aos que se disponham a fazer esse retorno a 1973, porém, o que se pode garantir é que estarão nas mãos de guias inescrutáveis, mas nunca menos do que intrigantes.


Entrevista com Gary Oldman


“O mundo não mudou tanto assim”

Em entrevista a VEJA, Gary Oldman falou sobre seu personagem, George Smiley, e a interpretação icônica de Alec Guinness no mesmo papel.

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O fantasma de Alec Guinness o assombrou?

Meu propósito nunca foi o de ser diferente só por sê-lo. Mas Guinness tinha quase 70 anos quando fez o papel; talvez por isso, o caráter que ele deu ao personagem lembra o de um professor de escola – severo, mas também afável. Meu George Smiley, creio eu, é mais seco e feral. Mas o fato é que a sombra que Guinness projeta é longa, e era inevitável que a atuação dele se tornasse uma baliza para mim. Eu diria, porém, que ele começou como uma nêmese e terminou como guia espiritual. Gosto de imaginar que ele estava olhando por mim e dizendo “vá nessa”.

Por meio de Smiley podemos dar uma espiadela na vida interior de um espião durante a Guerra Fria – e ela é toda desapontamento.

Smiley, de fato, é um desencantado – um romântico, um sujeito da velha-guarda que tem certeza da importância do trabalho que faz mas desenvolveu uma reação de cinismo a ele, e nem mais tem certeza de que seu lado seja tão diferente assim nos métodos do outro lado, o da Cortina de Ferro.

Neste filme, Smiley tem também uma certa raiva. O senhor diria que é a nossa visão contemporânea dos tempos da Guerra Fria que imprime esse traço a ele?

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A visão em retrospecto sempre carrega sentimentos que não eram evidentes ao tempo dos acontecimentos, e o filme provoca essa sensação de que o mundo não mudou tanto assim. O tempo, o lugar, o inimigo mudam, mas a perspectiva de aniquilação está sempre à nossa espreita – econômica, tecnológica ou de qualquer outra natureza. Aliás, adoro isso no filme: o retorno a um mundo analógico, que não estava ainda mergulhado na tecnologia, e no qual a espionagem era um trabalho de engenhosidade, inteligência e instinto – o instinto de desconfiar de tudo e de todos sempre.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 11/01/2012
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2012
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Trailer


O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS

(Tinker Tailor Soldier Spy)
Inglaterra/Alemanha/França, 2011
Direção: Tomas Alfredson
Com Gary Oldman, Benedict Cumberbatch, John Hurt, Colin Firth, Mark Strong, Ciáran Hinds, Toby Jones, Tom Hardy, Kathy Burke
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