
Não é nada mais do que a minha obrigação entrar na sala de cinema, toda vez, com o espírito desprevenido, sem antecipar julgamentos. É obrigação, e vale a pena: já me aconteceu até de gostar de um filme de Michael Bay (Sem Dor, Sem Ganho), o que eu considero uma prova irrefutável de que tudo é possível. Toda vez, então, vou ver as invenções de Seth Rogen & seus amigos nesse estado, munida do pleno benefício da dúvida. Fiz isso em Segurando as Pontas, em É o Fim, em A Entrevista. Fiz isso agora em Festa da Salsicha, que entra em cartaz nesta quinta-feira. E sei lá, talvez um dia eu consiga entender por que alguém financiou esses filmes – mas esse dia ainda não chegou.
Sabe aquelas animações de uma companhia de seguros que passam antes de o filme começar, pedindo para desligar o celular (pedido que você, fazendo o favor, deve atender) e dizendo onde ficam as saídas de emergência? Pois a qualidade técnica da animação de Festa da Salsicha não é nem um pouquinho melhor, e às vezes é até pior. Em tese, há uma ideia por trás do filme escrito e produzido por Rogen: para que os produtos do supermercado não fiquem sabendo do destino terrível que os aguarda (serem devorados ou, no caso dos não-comestíveis, servirem a usos potencialmente muito desagradáveis), eles são doutrinados desde o nascimento: acreditam que os fregueses são deuses, e que ao serem comprados eles serão levados ao paraíso. Mas a salsicha Frank e a bisnaga de cachorro-quente Brenda descobrem a verdade, e uma crise existencial-teológica se instala nas gôndolas (e, depois, rola uma orgia entre os alimentos processados).
Pode até parecer engenhoso isso de discutir a crueldade que é ter consciência da própria morte em um cenário tão banal. Há uma ou outra piada razoável: gostei do bagel judeu argumentando com o pão sírio que ele precisava, sim, dividir a prateleira com ele, pois o chucrute já havia tentado mandá-lo para a seção de churrasco. Mas, para cada sacada esperta, enfrenta-se uma torrente de grosseria gratuita e vulgaridade infantil. Nada contra a baixaria em si: na sua boa fase, o Casseta e Planeta, por exemplo, sabia usá-la com maestria. Woody Allen bolou baixarias antológicas, no melhor sentido da palavra, em Tudo que Você Qeria Saber Sobre Sexo. Até Rogen, nos seus melhores momentos, em Ligeiramente Grávidos ou Superbad, já tirou ótimo partido dela. Mas, sem supervisão adulta (de Judd Apatow, nos dois casos), Rogen & amigos viram aqueles garotos de 12 anos que acabaram de ter a primeira aula de educação sexual na escola: veem alguém pondo um canudinho na garrafa de refrigerante e endoidecem achando que é a coisa mais engraçada do mundo.
Até é, aos 12 anos. Os meus 12 anos, para o bem e para o mal, já estão meio longe, e eu preciso de algo um pouquinho mais criativo do que uma salsicha sendo colocada no pão de hot-dog para achar que estou vendo algo transgressivamente obsceno ou ter reações de hilaridade. Prefiro as animações da companhia de seguros. Pelo menos elas indicam as saídas de emergência.
Trailer
FESTA DA SALSICHA (Sausage Party) Estados Unidos, 2016 Direção: Greg Tiernan e Conrad Vernon Com as vozes de Seth Rogen, Kristen Wiig, Michael Cera, Edward Norton, Bill Hader, Jonah Hill, James Franco, Salma Hayek Distribuição: Sony Pictures |